A Cristina certa e a Cristina errada – crônica de uma cachorrada entre amigos...

A Cristina certa e a Cristina errada – uma cachorrada entre amigos...

(Goiânia, GYN, amigos, cachorradas, namorada, Mercado Popular, crônica)

Enio e Antero eram dois velhos companheiros que tinham em comum, muitas coisas. O mesmo trabalho, desde a juventude, a paixão pela música e pelo canto, a situação civil – descasados e, claro, as noites boêmias, que enfrentavam sempre na companhia um, do outro.

A longa amizade entre os dois, para lá do companheirismo, permitia às vezes, as gozações, troças e, trotes, que, depois de alguns dias de cara feia, eram perfeitamente superadas.

Sendo descasados, como já assinalei, conheciam os roteiros de bares, shows e, boemia de Goiânia. O primeiro, que havia sido músico da noite e, era um sujeito de fácil contato, puxava o outro para todos os lados, para desfrutar dos prazeres da noite e, claro, das companhias femininas.

Antero era um cabra mais solto. Se surgisse uma mulher interessante e, um momento de oportunidade, não costumava perder tempo, partindo logo para a abordagem objetiva. Seu companheiro, porém, como era mais tímido, caprichava nos prolegômenos, nos elogios e, não deixava de acrescentar detalhes interessantes ao seu currículo, como por exemplo, alegar que era advogado (no que ajudava bastante o gosto da roupa mais conservadora, o cabelo curto sempre aparado e, o capricho nos esses e erres e, algumas palavras difíceis, que espalhava entre suas falas - “inexoravelmente”, inexigível”...).

Tempos atrás, Enio convidou ao amigo para umas cervejas num boteco da moda, em Goiânia. Já na mesa, logo o primeiro foi encontrando amigos da juventude, entre eles alguns instrumentistas goianos, já consagrados no Brasil.

Por conta dessa companhia ilustre, ele e Antero ganharam convites para uma festa da colônia italiana – a promotora do evento, que estava acompanhada de um simpático marido, estendeu um cartão com nome e telefone para as eventuais informações. Já meio alto, Enio passou o cartou para o amigo, que o guardou.

No dia da festa, o Antero ligou para o amigo, lembrando da festa. Acertaram tudo, e o outro levou com ele um primo de Brasília, que estava na cidade. Chegando ao local da festa, porém, verificaram pelos poucos carros estacionados que a festa não devia estar lá, essas coisas. Por isso, partiram para uma boate, para tomar umas cervejas e, quem sabe, descolar namoradas.

Na boate, Enio correu o olhar pelas mesas vizinhas e se deparou com o olhar de uma moça de uma mesa próxima. Com a vaidade lá em cima e, notando que ela lhe dando linha, contou aos colegas do fato.

O Antero começou a provocar o amigo, para que chamasse a moça para dançar. Ele recusou, alegando (com razão) que não tinha intimidade com a dança. O primo perguntou então porque ele não ia até lá e se apresentava e, ele arranjou outra desculpa. Mas, pediu ao primo que tirasse a menina pra dançar, falasse dele, pra facilitar as coisas.

No meio da dança a moça disse ao primo do cinqüentão tímido que gostava de homem com mais atitude. Terminada a dança, veio o primo com o recado.

Aí, o Antero foi lá e chamou a moça pra dançar e, insistiu em trazê-la até a mesa, para apresentar ao interessado e, enfim provocar o amigo para tirá-la para dançar. Depois da apresentação à Cristina (sacaram? A promotora de eventos tinha o mesmo nome da outra. Já viram que isso não vai prestar, me acompanhem...), Enio ficou sem saída e foi à pista da boate, mas a dança não durou muito.

No volta à mesa, a moça disse que precisava ir embora. Na despedida, deu o número do celular para os dois -e é aqui que começa a encrenca. Depois que ela saiu, Enio procurou uma caneta para anotar o número do celular. Antero, bom de memória, sacou do celular e o o jogou logo na memória.

Depois disso, entraram na pinga. E só saíram da boate depois que o garçom informou que precisava fechar a casa. Lá fora, muito altos, Enio, na base da galhofa, mas jogando um verde, acusava o amigão de assediar a moça que lhe dava bola. E o outro dizia que ele era bola murcha.

O dançarino frustrado pediu então, que o amigo passasse o número do celular da Cristina, pois ele não conseguira anotar. E o outro, saboreando a oportunidade de aprontar mais uma com o amigo, enfiou a mão no bolso e tirou o cartão da promotora da festa da colônia italiana e , de gozação passou a Enio, que o guardou sem consultar...

No outro dia, a ressaca despertou Enio bem cedo. Depois de tentar recordar os acontecimentos da noite, lembrava-se confusamente da bela moça da boate e, aí, achou um cartão sobre o criado com o nome de alguém com o nome de... Cristina!

Ele pegou o celular e, ligou. A Cristina errada atendeu. E ele, já bem confiante, caprichou no tom e na empostação da voz: “Ooooi, Cristina! Lembra de mim? Enio, aquele que te deu trabalho na pista de dança ontem...” E ela: “Alô? Como assim? Olhar, meu senhor, acho que está havendo um engano. Ontem eu estava numa festa da colônia e só dancei com meu marido...” E ele, já embaraçado: “...Ué, mas eu não estou falando com a Cristina, a morena que estava Nova Edição, ontem?” Diante da negativa veemente, ele pediu mil desculpas e desligou o telefone, assustado e meio perdido...

....................................................

No caminho do shopping center, Enio pensava no rolo da ligação e, aí, ficou mais em dúvida sobre o telefone da Cristina certa, que ele capaz de jurar que viu o Antero anotar. No meio do trânsito, lutando com a ressaca, pegou o celular e, foi até a lista dos últimos números discados e teclou – ligação para o amigo que, ele desconfiava, tinha aprontado outra molecagem (para as quais houveram recíprocas, evidentemente...).

Na hora em que o outro celular deu sinal de atendimento, ele já entrou de sola: “E aí, vagabundo?! Sê só sabe aprontar, hein, sacana? 'Bora pro Shopping tomar uns chopes que eu falar sobre a Cristina...” E veio a resposta: “Meu amigo, o que é que tá acontecendo? Faz uma meia hora cê ligou pra minha esposa e, ela ficou incomodada com suas intimidades e estória maluca. O Sr. Trate de respeitar minha mulher, hein?...” O cara amarelou e, desesperado no meio do trânsito, conseguiu pedir para o senhor que atendeu esperar um pouquinho, estacionou o carro, e aí, se identificou, disse que conhecia o casal, mas estava acontecendo um monte de equívocos difíceis até de acreditar – inclusive com uma fatídica coincidência entre o nome da sua esposa e o nome de alguém que conhecera numa boate (o que não ajudava muito) e, solicitou mil desculpas pelo incômodo e engano. Do outro lado, ouviu que estava tudo bem, mas que não insistisse mais...

O dia estava perdido. Enio, com o estômago dando voltas, não conseguia acreditar em tudo o que aconteceu e ele passou. Começou a sentir uma raiva incontrolável do amigo com base numa suspeita fundada, pois ele mesmo já havia aprontado algumas presepadas de lascar com o outro.

No shopping, rumou para o bar e foi pedindo logo uma caneca de chope, desolado e puto!...

........................................

Decorridos uns dias – e a raiva momentânea, Enio estava a caminho de casa quando mudou de idéia e, não resistiu a ligar pro velho amigo, para convidá-lo pra tomar umas geladas no bar do Mercado Popular, na rua 74 (lugar bem frequentado por mulheres solteiras e do qual, os dois eram circunstantes), pois ia ter uma apresentação folclórica, lá.

Ele notou que o amigo atendeu com alegria, mas depois informou que não podia ir, porque estava com uma garota, naquele momento. E ele retrucou que não ele viesse e trouxesse a namorada. Mas, o outro respondeu reticente, que não podia, que não dava, eliminando qualquer possibilidade. Ele continuava insistindo no convite quando já ia entrando no bar do Mercado Popular. Há alguns metros depois da porta, quem ele viu na mesa de celular à mão acompanhado da Cristina, a certa? ...O amigo Antero!