Desabafo de Alguém Desprezada
Desabafo de Alguém Desprezada.
Nos conhecemos há muito tempo. Muito tempo mesmo. Lembro como se fosse hoje. A primeira vez que nos vimos. Ele ficou meio sem jeito, nervoso, irrequieto. Me tocou. Minuciosamente, perguntou detalhes a meu respeito. Perguntou da minha procedência e até se era possível ver meus documentos. Examinou tudo e, visivelmente, demonstrou grande interesse em ficar comigo. Me admirou. Amor à primeira vista! Me apalpou e sussurrou algo do tipo: te quero pra mim, para a vida toda.
E foi assim. À época ele devia ter seus dezessete anos. Não mais que isso. Eu, muito menos. Ih, bem menos, bem novinha mesmo!
O tempo passou. Vivemos o tempo todo juntos. Até em suas viagens a serviço não nos separávamos. Eu era sua companheira inseparável. Vivenciamos tantas coisas pelas estradas amazônicas. Na Transamazônica...que saudade daquele tempo! Éramos cúmplices em tudo que fazíamos. Nossa concepção sobre o amor era de que o mesmo existia e que era eterno. Quanta ilusão! Fomos testemunhas de muita coisa por esse mundão de meu Deus! E o ciúme que ele tinha de mim? Era algo desconforme, extraordinário. Morria de ciúmes de mim. Tinha ciúmes de seus amigos e até os seus filhos não podiam sequer me tocar. Eu confesso, sentia-me verdadeiramente amada. Sentia um certo orgulho de ser possuída por alguém que me prezava tanto. Quantas vezes, ao crepúsculo vespertino, construímos encantadores poemas, às margens do selvático e poético Tocantins! Cantando a beleza da vida! A cantar o amor! E, quantas vezes ficamos madrugadas a fio trabalhando; conversando; nos entregando um ao outro, de corpo e alma. Quando seus dedos longos deslizavam sobre mim, me extasiava, enlevada pelo cheiro de uísque e cigarro. Apesar de não beber, nem fumar, nada disso me atrapalhava. Nada disso me incomodava. Éramos verdadeiramente uníssonos em tudo o que fazíamos. Quantas vezes ouvi de sua própria boca que jamais nos separaríamos. Que jamais eu seria trocada por outra. Chegamos até a escrever um livro – juntos. Foi aí que comecei a perceber a sua ingratidão. Em nenhum momento fui citada na obra. Não figurei como personagem de nenhuma de suas estórias. Nem uma frasezinha, nem uma vírgula sequer, nada...enfim.... Quanta ingratidão!
Ali comecei a desconfiar que havia alguém em seu caminho. Descobri enfim que já não era mais o centro das suas atenções. Fiquei arrasada. Logo eu que fui tão submissa a vida toda! Tão fiel, tão compreensiva...eu que lhe dedicara toda uma vida. Não tivesse um coração de aço...sei não, sabe! Certamente não teria resistido à tal situação.
O tempo passou. E não foi muito tempo. Ele encontrou um novo amor. Fui totalmente desprezada. Todos me olham com desdém; me subestimam. Me olham de revés. Não me importo, porém. Hei de superar.
Pelo que fiquei sabendo, mudaram de cidade. Até de região. Foi para o Nordeste e, obviamente, levou seu novo xodó. Soube que sua dedicação é bem maior do que comigo há vinte anos atrás. Disseram-me que os dois passam noites e noites em autêntica lua de mel, fazendo tudo aquilo que fazíamos nos áureos tempos.
É a ávida! Sinais dos tempos. Mas nem por isso vou me abater. Tanto é que coloco-me à disposição de quem quiser me possuir. Pode ser homem, ou mulher. Tanto faz. Não tenho preconceitos. Quem estiver interessado em se relacionar comigo pode endereçar sua cartinha para: DEPÓSITO GERAL DA SUCATA – a/c Maria OLIVETTI.
Apesar da minha idade, garanto que serei bastante capaz de lhe fazer feliz, tanto ou mais do que qualquer PC moderninho que se diz de última geração, desses que andam por aí.