Apatia

Acordou com as batidas da janela, que ecoavam dolorosamente em sua cabeça. Podia ver apenas fragmentos de algumas cenas da noite anteror. Cores, neons, rostos, corpos, sabores, e lá fora o céu imperava, melancólico e monocromático.

Levantou-se - não sem antes tropeçar nos lençóis caídos -cambaleou até a porta que julgou ser a do banheiro e junto com o pouco que havia em seu estômago, um pedaço dela era levado pela descarga. Sentiu frio, tateou o chão em busca de peças de roupa e vestiu as primeiras que encontrou. Na cozinha, geladeira e armários absolutamente desertos. Saiu.

Sorriu timidamente ao sentir o ar pesado da cidade, os desconhecidos passando, sua rotina. O céu era ainda cinza, os prédios eram cinza, pessoas cinza, olhos cinza, pensamentos cinza. Sua cor favorita era cinza.

Comprou um café na esquina, cumprindo o ritual de todas as manhãs, mesmo já sendo final da tarde. Andava e o vento tentava arrancar-lhe os displicentes cabelos avermelhados. Jogou fora o café frio.

Entre a multidão, teve a breve sensação de fazer parte de algo, de pertencer a algum lugar, mas por apenas um ínfimo instante - no cruzamento, novamente sentiu-se só, uma solidão acompanhada. Novamente, sorriu.

Absorta em seus pensamentos, lembrou-se das palavras que ela havia lhe dito, com tristeza profunda no olhar, na noite anterior. Naquele momento, fingia dar mais atenção à fumaça dançando no ar, mas na verdade, ouvia tudo perfeitamente e aquilo lhe destruía por dentro. Não queria demonstrar o que sentia, preferia parecer indiferente e inabalável, era mais fácil assim. Não queria ferí-la com suas ações impensadas, não queria magoá-la com a veracidade torturante de seus pensamentos e sentimentos, mas magoava com o desprezo. Aquilo tudo era exageradamente incrível, mas sentia-se incapaz de merecer algo tão bom - não deveria. Não julgava correto prender um alguém tão especial àquele seu caos particular. Ela merecia mais.

E outra vez escolheu manter-se em sua situação habitual, não arriscaria ir além, mesmo que aquilo significasse uma enorme promessa de felicidade. Desistiu.

De repente, um estrondo. Um forte impacto atingia sua coluna, logo seguido por uma forte sensação de torpor. Sentiu gosto de sangue, estilhaços do carro cortavam-lhe o rosto enquanto ferragens comprimiam seus órgãos internos. A dor era impensável.

Naquela cama de hospital, branco e vazio, os sedativos impediam-na de sentir qualquer coisa.

Desejou continuar eternamente assim.

L
Enviado por L em 01/06/2009
Reeditado em 01/06/2009
Código do texto: T1627378
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