Série "Ditados na berlinda" 15: Vão-se os anéis, ficam os dedos?

Kevin Johansen é um cantor e compositor que descobri recentemente. Nascido no Alaska, filho de pai americano e mãe argentina, foi criado em nosso país vizinho desde os 12 anos, e suas músicas são irreverentes, divertidas e surpreendentes. Uma que me chamou atenção se chama “Desde que te perdi”, na qual ele fala da perda de um amor – e também, ironicamente, dos inúmeros ganhos advindos de sua recém conquistada liberdade...

Jesus Cristo perdeu sua vida mas ganhou bilhões de adeptos. Napoleão perdeu Waterloo mas ganhou a Ilha de Santa Helena só para si. Sansão perdeu sua força mas ganhou um corte de cabelo moderninho. E uma garotinha de sete anos, num programa de televisão extremamente popular, recentemente ganhou fama nacional – porém, além de ter perdido parte da infância, provavelmente perdeu muitas outras coisas que só o futuro poderá dizer.

Apesar de termos perdido o pião e a amarelinha, ganhamos os videogames. Perdemos o café torrado e moído na hora mas ganhamos o solúvel. Perdemos o hábito de escrever cartas de próprio punho, mas ganhamos agilidade para contatar as pessoas queridas que estão distantes. Perdemos totalmente nossa privacidade, mas ganhamos... bem, algo devemos ter ganho; talvez precise pensar um pouco mais sobre isso.

Perdas e ganhos são mecanismos quase naturais com os quais nos defrontamos diariamente. Assim, melhor para nós acreditarmos que, como reza a física, dois corpos (duas coisas, duas situações, duas vivências, duas pessoas) não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Se entra água no copo, o ar sai - e vice-versa. Paralelamente, devemos fazer a redentora associação, para que não nos tornemos amargos quando só as perdas aparecerem: não podemos apenas receber, devemos aprender a abrir mão também, para que os presentes ocupem seu devido espaço.

Como o compositor ianque-argentino que ando ouvindo, Lulu Santos também cantou seus ganhos e perdas, sugerindo que ninguém precisa saber deles. Já Elis Regina nos advertiu que nem sempre ganhamos e nem sempre perdemos, mas aprendemos a jogar. E assim vamos somando às nossas experiências as experiências alheias, em especial esta, que Lavoisier já havia concluído e eu altero em livre interpretação: na vida, de fato, nada se ganha ou se perde - tudo se transforma. Pois as perdas sempre nos levam a ganhos, sejam eles uma inevitável adaptação ou um aprendizado à revelia. O que não podemos perder jamais é nosso olhar de vencedor sobre todas as coisas – as que ficam, as que vão, e até as que insistem em não se mover.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo Perdas e Ganhos.

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http://www.encantodasletras.50webs.com/perdas_ganhos.htm