NÃO PODE SER VERDADE
Quando cheguei pela primeira vez como bolsista na biblioteca da Universidade de Brasília fui remanejado pela diretora para a equipe de recolocação. Ela pediu a mim que procurasse por um homem que seria meu chefe dali em diante...
-O nome dele é Paulo: um senhor de meia idade e com sinais de calvice, procure-o pelo apelido ou ninguém saberá te informar...
-Não foi difícil encontrá-lo. shampoo! apelido estranho; deve ser único...
O senhor Paulo, que eu me recusava a chamar de shampoo, foi muito receptivo comigo: passou todas as informações de que necessitava, aconselhou-me, mas sempre me deixando a vontade ...
No vai e vem daquelas quinze horas semanais quase ninguém falava comigo; os que o faziam não lembravam do meu nome: valter, valdo, vanio e até vagno, exceto o senhor Paulo, apesar de não precisar falar muito a mim, sempre se lembrava do meu nome ...
-Tudo bem Wagner?!
-Beleza sr Paulo!
Essa cena se repetiu por quase dois meses. O senhor Paulo era um homem muito sério, mas sabe aquela seriedade calma?, ou melhor: serena, não!, despreocupada, talvez triste... é isso mesmo: era uma seriedade triste. Não bradava com ninguém, quase não se ouvia a voz dele naqueles corredores... antes disso eu não seria capaz de deduzir, mas hoje imagino: o senhor Paulo era triste; do tipo que parece presentir algo ruím...
-Tudo bem Wagner?
-Beleza sr Paulo!
Peguei o elevador na segunda feira, estava com um carrinho cheio de livros e procurava a sala de catalogação... encontrei o senhor Paulo que com uma resposta simples resolveu meu problema...
-No térreo Wagner!
Confesso que quase não observei na expressão dele naquele momento... infelizmente... deveria ter conversado mais com ele...
Na terça feira quando cheguei na biblioteca fui direto à copa tomar um cafezinho que tem por lá e onde o senhor Paulo gostava de ficar... antes que eu adentrasse tive de passar pelo mural de recados que fica antes da porta... um aviso destes é sempre muito apelativo e carregado de tensão: nota de falecimento...
Tive de procurar pra três pessoas antes de acreditar... não importa o motivo, o fato tráz muito de inacreditabilidade. Mas ontem eu estive com ele, e, parecia tão bem fisicamente... era muito novo ainda. Não importa o motivo. infarto?!? aqueles corredores estarão sempre impregnados pela lembrança dele. Mas ontem ele estava comigo!
O senhor Paulo faleceu mesmo?
-Faleceu.
-Faleceu?!
Uma amiga que ouviu isso de mim resumiu de maneira bem adequada:
-È! isso só prova o quanto nós somos nada...
Não gosto de acreditar em coisas metafísicas, é quase sempre coincidência pra mim, mas depois do senhor Paulo, confesso que fiquei pensando em algumas intrigâncias inquietantes:
poderia o ser humano presentir o que está por vir? a tristeza presente naqueles olhos estiveram sempre morando alí? nós somos nada mesmo...
-Faleceu.
-Faleceu... mas como isso pode ter acontecido!????? estive com ele ontem...
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