Ver
À Francisco de Souza e à Marcelo Will,
Esses amigos familiares que se misturam na Vida.
“O uno não é individual.”
Olhe minuciosamente ao seu redor, antes de continuar essa leitura. Tente escapar da fantasia em que se transformou a nossa Vida. Você não precisará me responder, porque esse texto não tem caráter de auto – ajuda. Pois, na verdade, ninguém quer se ver e todos querem Ver.
E “ver”, aqui, vai além de sua acepção lexical. Percebi isso nos últimos acontecimentos do meu cotidiano, como os da semana passada. Não deveria citá-los, embora acredite que eles possam dizer muito mais do que eu.
Há dias atrás, um amigo havia me pedido uma opinião sobre um texto de seu interesse. Disse o que pensava, sem saber a dimensão que tomariam as minhas palavras. Fiquei meio preocupado ao descobrir que as minhas críticas passaram a valer como ideal para aquela pessoa tão (ou mais) sábia quanto a mim naquele assunto. Era um referencial para alguém, sem saber, e destruí os sonhos de um amigo verdadeiro.
Por quê? Não me percebi no processo. O mesmo (lembrei de uma amiga que odeia essa palavra) aconteceu nos dias seguintes. O meu avô paterno morreu sem que pudesse vê-lo na semana anterior, em que já estava enfermo. Fui perceber tarde demais a importância de me ausentar de alguns compromissos para ir confortá-lo.
Nesse momento, você talvez pense na culpa, carregada por mim, nos dois processos. Mas não posso ignorá-las, isso seria hipocrisia de minha parte, diante do cerne principal do pensamento surgido após essas turbulências.
Ver-se no mundo atual é “quase” impossível. Combatemos, a cada dia, a proliferação de imagens e a ânsia do Ver determinista ocidental. O meu amigo queria uma crítica no instante em que conversávamos, enquanto mais tarde não consegui administrar a vontade de ver o meu avô.
Isso quer dizer que a consciência humana não é proporcional à sua participação na Vida. Levei um susto com tal descoberta que me faz sofrer com essa inquietação da “vertigem” produzida no mundo atual. Podemos ser conscientes, inconscientes, racionais ou subjetivos. Mas não será a nossa postura diante de tudo que irá interferir na realidade.
As determinações estão em todos os lugares e a nossa existência depende só desse conflito. Olhamos para si mesmos na busca de entender o ininteligível. Numa introspecção tortuosa que precisa de um reflexo. O outro está lá. Ele nos constitue, mas não requer a prática do Ver. Daí fugirmos do eu e nos enredarmos no invisível real.
Ver-se significa uma reconstrução de nossa cena exterior sem participarmos do processo. Um paradoxo que desafiará todos os níveis do Conhecimento, daqui a alguns anos.
Digo (ou escrevo) com a consciência de que me deixei levar por algo que não conheço. Entretanto, acredito na impassibilidade de tal ação para não cair na cilada do Ver. Complexo? Se você se ver, todos os argumentos não serão. E toda atitude reflexiva requer, do pensante, um postura diante do que lê ou ouve. Pois, infelizmente, queremos se ver e nem todo mundo consegue ver.