Insopitável

Essa canção, entoada ao longe, por algum motivo, me faz refletir.

Hoje em dia tudo é visto de forma muito mais complexa. Nada mais funciona como de costume. As circunstâncias me exigem uma cautela que não tenho.

Muitas vezes, a carga que trago sobre os ombros parece ainda maior, mais difícil de suportar. Mas fui eu quem a escolhi. Sem sombra de arrependimentos.

Sempre há um preço a ser pago, geralmente compatível com o ganho. Esse não é baixo. Mas há algo que talvez faça com que valha cada centavo.

Faz me sentir desprezível perceber que algumas vezes, num impulso essencialmente egoísta, desejo tornar as coisas mais fáceis pra mim. Quando permito que por alguns minutos minha mente seja inundada pelas situações e conceitos que insistem em esbofeterar-me a face, para se fazer notar. Momentos em que penso em dar o braço a torcer, em desistir, jogar a toalha e simplesmente admitir que não sou capaz.

Vejo os caminhos escolhidos tornando-se mais e mais tortuosos, progressivamente contorcendo-se, estrangulando-me. Preciso de forças pra gritar que parem, que afrouxem, porque já não tenho fôlego para continuar a luta. Vejo minha solidez se esvaindo com força, em cascatas e corredeiras, contra as quais não posso nadar. Meus braços fatigados não podem mais permanecer rijos, e meus dedos caleijados não se dobram mais em punhos.

Tudo ao redor torna-se feroz, tirano, e eu, cada vez menor e mais frágil. Quebrável. Antigas rachaduras se abrem, e sangram.

Situação repulsiva, nauseante.

A lacuna parece ainda mais evidente, profunda, devoradora. E meus pés parecem levar-me até ela, e eu danço com eles, indo de encontro ao escuro, às incertezas. Danço de mãos dadas com minha insegurança, me deixando conduzir. Rodopio entre seus dedos, seguindo cegamente passos que não conheço, que me são ditados ao ouvido pelas vozes frias dos fantasmas que me acompanham nesse tenebroso compasso. De quem são essas mãos ao piano, trêmulas, compondo esse murmurante réquiem?