Volátil

O relógio denunciava a noite já perdida, o sono resistia a tomá-la. Por muitas noites havia sido assim, o que lhe rendera profundos abismos arroxeados sob os pequenos e semicerrados olhos verdes.Seu corpo também expunha seu estado, estava ainda mais magra do que de costume, os ossos ainda mais visíveis através da tez pálida e gélida. Um velho pijama e os cabelos desarrumados contribuiam para montar a típica cena das noites não dormidas. Agora já não tinha mais bons livros para ler, já havia lido todos há semanas, também já havia relido os antigos, também já havia lido alguns outros que encontrara, sem qualquer interesse, apenas um ato mecânico numa tentativa frustrada de aproveitar bem o tempo.

Era uma batalha perdida, o tédio a derrotara e jogou-lhe na cara seu fracasso. E o sabor do fracasso é o mais amargo que se pode imaginar, é também o que ela mais repudia, a idéia de falhar é simplesmente torturante, abominável.

Rendida, entrega-se à sua condição miserável e o céu escuro e sem estrelas torna-se testemunha de seus mais profundos devaneios.

Um cigarro, era só o que restava. Não era suficiente. O modo como a fumaça surgia pelo vão de seus lábios e narinas, dançava com a leve brisa insistindo em não deixar seu rosto era um pequeno prazer momêntaneo que em poucos segundos se evanescia no ar.

Brevemente, sentiu-se tonta. Seus braços pesavam, ritmando seus movimentos e as luzes distantes da cidade pareciam fortes o suficiente para ferir seus olhos. Entorpecimento causado unicamente pelo contato com seus mais íntimos e obscuros sentimentos que naquele instante espontaneamente decidiram vir à tona.

Do alto de sua janela, era tudo o que via, uma rua vazia que dormia, árvores ao vento que produziam o único som que permanecia ecoando e o horizonte iluminado por pequenas gotas brilhantes que indicavam que ao longe ainda havia vida. De repente surgia um carro, e logo seguia, deixando novamente intacta aquela desimportante cena.

Naquele momento era apenas ela. Estava finalmente só. Sentia-se intocável, inatingível. Na proteção de si mesma encontrava um conforto inigualável. Era sua redenção.

E isso ninguém podia lhe tirar, jamais.

L
Enviado por L em 31/05/2009
Reeditado em 31/05/2009
Código do texto: T1624094
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