O LINOTIPISTA

Toda negra a sua imponência aguçava os meus cinco sentidos. Não me lembro muito bem, pois a memória insiste em pregar peças, mas, três delas grudadas ao chão estavam instaladas num salão no prédio da Rua Moraes Barros, no centro da cidade, no Jornal de Piracicaba.

Antes de entrar ao salão colava meu corpo esquálido na parede e ouvia o barulho das matrizes que compõem a linha-bloco descerem do magazine, onde ficam armazenadas e, através do distribuidor, retornar ao magazine, depois de usadas, para aguardar nova utilização.

Devagar ia chegando ao lado do meu tio Valdir, todos os meus sentidos aguçados pelo ambiente festivo do jornal. O tio me abraçava e eu continuava com o olhar vidrado na máquina do linotipo. Ao seu lado percebia as letras como em um passe de mágica aparecerem e desaparecerem das suas mãos ligeiras.

Uma vez ou outra um senhor me pegava pelas mãos e me mostrava aquele mundo em explosão de imagens e palavras. Os meus olhos de criança queriam escapar das órbitas, correndo por tantas novidades!

Um dia descobri que o senhor de olhar tranqüilo era um dos donos do jornal; o Dr. Losso Netto; assim, o meu tio, com carinhoso respeito o tratava.

Percebia nestas minhas visitas, ao longo do ano, os funcionários temerosos, cochichando pelos cantos, olhando de soslaio, foi uma época maldita, a década de 1970, para toda a população, esta da Ditadura Militar, principalmente, depois da AI5, a do tal do Presidente, o General Garrastazu Médici. Este período foi marcado pelo recrudescimento da repressão política, da censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos políticos.

Enquanto, o governo gastava milhões de cruzeiros em propagandas destinados a melhorar sua imagem junto ao povo, através das mensagens bombásticas como: "Brasil, ame-o ou deixe-o"; qualquer cidadão podia ser preso se fosse desejo do governo. Nas escolas, nas fábricas, na imprensa, nos teatros, a sociedade brasileira sentia a mão de ferro da ditadura.

A malfadada ditadura não admitia críticas, nem ao menos oposição pacífica ao seu regime de terror. Muitos intelectuais precisaram deixar o país.

Um dia, lá pelos anos de 1979, em uma das minhas visitas, percebi o meu tio tristonho é que mudanças radicais aconteciam no Jornal de Piracicaba! As impressoras OFF-SET eram as novas donas do pedaço. Titio se aposentou! A tristeza invadiu a minha alma e a dele! Como acontecia há mais de três décadas, com a minha família, o jornal seria lido e relido em casa, mas, eu não teria mais a alegria de sentir a tinta fresca invadindo as minhas narinas e injetando vida ao meu sangue adolescente.

Contudo, a aposentadoria do tio Valdir durou pouco, e logo, ele foi chamado pelo José Rosário para auxiliar no equipamento novo, assim, titio foi ficando por mais uma década.

Sempre senti mesmo criança, o quanto o ambiente de trabalho do jornal unia e reunia os funcionários e os seus donos; formando uma família em todos os momentos. O meu tio, sem dúvida, colaborou para que essa história fosse impressa, e, eu, me apaixonei por esse mundo às vezes tão paradoxal, em que se encontram os jornais; entre a verdade e a mentira, entre o bem e o mal...