## A PALAVRA ##

Era a primeira vez que eu fazia uma prova. Tendo saído de uma escola pequena, quando mudei de bairro minha mãe me colocou num colégio grande, o melhor do bairro. Eu estava desconfiada, eram tantas mudanças: casa, escola, bairro....

Apesar de muito diferente da anterior, tive facilidade em adaptar-me. Talvez pelo meu jeito de ser. Desde criança, sem ninguém precisar ensinar, sei que o mundo é cheio de regras e eu simplesmente deveria obedecê-las. Sempre isso foi bem claro pra mim e facilitava minha vida, apesar de ter sido  uma criança séria, parecendo preocupada com a vida. Mas eu era feliz assim, até que a vida começou a me mostrar um lado não tão bom...

Quando tocou para o lanche, eu ainda estava no meio da prova, mas, inocentemente, a guardei embaixo da banca e saí pra lanchar. Quando voltasse terminaria. Foi o que fiz. Era a primeira vez que ia comprar um lanche, usar o dinheiro. Estava empolgada. Tantas experiências novas...mas eu estava me saindo bem. Fiz amizade com uma garota da sala (que seguiu comigo ainda vários anos) e fiquei feliz por estudar num colégio grande e bonito.

Ao voltar para a sala, a professora perguntou pela minha prova. Eu disse que ainda ia terminar, que tinha saído para o recreio, mas que entregaria logo. Ela então, muito séria, disse que eu não poderia ter feito isso, que era pra ter entregue antes de sair para o lanche. Pedi uma chance pra terminar, disse que não tinha mexido na prova durante todo o recreio e que não sabia disso.

Sei, foi muita inocência minha, mas nunca havia feito uma prova e por algum motivo eu entendi alguma coisa errada. Não contive as lágrimas. Estava sendo sincera, pedindo uma chance e garantindo que não faria novamente, além de afirmar que não tinha "filado", como insinuou na sua doce sensibilidade de professora.

Nada adiantou. Ela tomou a prova. Voltei pra casa chorando no carro sem querer contar a minha mãe. Mas acabei contando tudo e ela me consolou, conversando e explicando que prestasse mais atenção nas regras da nova escola.

Foi a primeira vez que senti a fraqueza das palavras. Minha palavra, meu pedido de desculpas, minha sinceridade sobre o acontecimento. Nada, nada havia convencido a professora. Minha palavra não valeu nada e isso me magoou profundamente.

A vida foi mostrando cada vez mais porque as palavras ditas não valiam nada. Pude conferir, amargamente, o uso desmoralizante que a humanidade faz dela. Você é canalha, até que prove o contrário. Foi isso que aquela professora achou daquela criança inocente e nova na escola, que pedia humildemente uma chance. Mas ela já vivia nesse mundo há mais tempo e por isso, até aquela criança já poderia ser uma mal caráter em formação. Ela foi incapaz de conversar, falar das regras e dar uma chance. Foi incapaz de me "ensinar" , de ser amiga, de entender.
 
A palavra não é respeitada, as promessas não são cumpridas. Não há preocupação com o efeito que elas possam ter, a quem poderá atingir. Ditas à toa, sem compromissos. Jogadas ao vento.... Não existe moral nem vergonha de dizer qualquer coisa, de prometer qualquer coisa mesmo sabendo não poder cumprir.

Somos enganados por promessas políticas sem nenhum respaldo. Eles mentem, descaradamente, porque o mais importante é se dar bem e enganar faz parte do jogo da conquista e do poder.

Entendo, da pior maneira que se pode entender, que as palavras são reflexos da educação, da moral e do respeito que devemos ter pelo próximo e por nós mesmos,  mas que infelizmente a maioria das pessoas não sabe nada sobre isso, ou não se incomodam com nada, nem mesmo com o conceito que podem ter perante os outros. O que interessa os "outros"?

Ainda assim acredito que existem pessoas cujas palavras valem muito, valem sua honra, sua moral e o respeito que tem por si próprios e pelo próximo. Eu não posso desacreditar  nisso, porque ainda acredito em mim.