PERFIS MARIENSES (7) – Dona Dirinha
Maria das Neves Paulo Arruda é uma senhora baixinha, de buço acentuado e corpo esguio. Autoritária e dominadora, herdou do pai, Pedro Tomé de Arruda, o gosto pela política. Eleita diversas vezes para a Câmara Municipal, seu traço forte de personalidade a fez angariar muitos desafetos, mas com relevo suficiente para ser notada em todas as áreas. Não se pode ficar indiferente a dona Dirinha. Vaidosa, nossa dama de ferro anda sempre arrumada, perfumada e pronta para uma briga.
Nas campanhas políticas, seu discurso inflama as multidões, e sempre termina cantando a música “Bandeira Branca”, pedindo paz aos inimigos, depois de espinafrar os adversários. Mas o que ela gosta mesmo é de ser considerada educadora. Professora mais antiga em atuação na cidade, recusa a aposentadoria. Proprietária rural e herdeira de muitas posses, ela não precisa do salário de mestra, mas tem necessidade vital de se sentir útil, de ser notada, de ter auditório para ouvir seus discursos, além de ter pessoas em quem mandar.
Em 1998, dona Dirinha estava “por cima” na política, aboletada no cargo que mais gosta: diretora de escola. No dia 31 de março, ela pegou velhos cartazes no seu baú de guardados e fez uma exposição em homenagem à “Revolução”, incluindo o famoso slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Foi um sucesso tal que o Secretário de Educação do Estado soube e mandou exonerar a diretora por “exaltação à ditadura”.
Ela tem orgulho mesmo é de ser professora. Uma professora diferente, que cultiva velhos hábitos e valores de terras mais requintadas, como o de tocar piano, oferecer chá às amigas e outras atitudes do tipo, resquícios da casa grande, dos tempos em que sua família ia estudar na Europa ou nos Estados Unidos. Ela mesma mandou sua filha estudar na terra de Obama, na década de 60. Quando a moça voltou, dona Dirinha fez questão de recebê-la na porta da cidade, ao som da banda local tocando o hino do Tio Sam, com uma multidão de alunos portando pequenas bandeiras americanas. Em cada poste ela mandou pendurar uma bandeira ianque, para constrangimento da filha diante de tão ridículo provincianismo.
Mas é assim dona Dirinha. Com seu estilo brega-chique vai mantendo a tradição da oligarquia. É a última representante do segmento mais conservador de Mari, dos tempos em que vigorou o domínio político dos proprietários rurais. Atualmente, por ironia do destino, o líder do prefeito na Câmara de Vereadores é um representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e ela nunca mais conseguiu um mandato de vereadora. Inversão de valores, na visão de pessoas como dona Dirinha.
Quando cheguei em Mari, fui logo devidamente observado conforme os costumes sociais do interior. Como fumava cachimbo, espalhou-se que “o chefe da estação era maconheiro”. Depois que iniciei movimento para formar um grupo de teatro, fui tachado de “bicha”. E para completar minha ficha na fofoca local, souberam que eu era do Partido dos Trabalhadores, portanto comunista. Elementos suficientes para que dona Dirinha me excluísse do seu convívio e da vida social da terra. Jamais fui aceito pela madame. Um dia, passando em sua calçada, cumprimentei-a e perguntei:
--- Dona Dirinha, qual a impressão que a senhora tem de mim?
--- A pior possível, respondeu, virando a cara com nojo.
Ela foi e é mais temida do que amada. No entanto, sua complexa e muitas vezes divertida trajetória, com suas virtudes e defeitos, exerceu profunda influência sobre a vida de Mari. Como de resto é a vida de quem passou pelo planeta e deixou rastros de grandeza e miséria, paixão e fúria. A História contemporânea de Mari não pode deixar de registrar a vida de dona Dirinha, com suas birras e megalomanias, mas que deixa sua contribuição, para o bem e para o mal, à construção da sociedade mariense.