PERFIS MARIENSES (8) – Gilvan Camilo
A imagem do agitador político, do homem valente e impetuoso, do escritor de estilo meio confuso, tudo isso veio depois. A primeira impressão que tive de Gilvan Camilo foi de um sujeito fora dos padrões da cidadezinha onde fui parar, no final da década de 80. Estava ele deslocado naquele lugar tão conservador. Hoje é nome de rua, e sua obra, gravada na memória popular, permanece no gesto, na maneira como ele defendeu os pobres em todos os seus instantes, na forma como lutou contra os poderosos, contra ditadores grandes e pequenos.
Permanece quem, de pulso fechado, enfrentou uma ditadura e não compartilhou de atitudes mesquinhas e desonestas de quem ajudou a chegar ao poder na sua cidadezinha.
Gilvan Camilo era um sujeito de atitude. Não ficava em cima do muro. Podiam não gostar dele pela sua forma meio rude e sincera de expressar as idéias, pela franqueza. Ele se fez respeitado pela capacidade de se fazer temido, de não ter medo de cara feia, de defender seus pontos de vista com a garra de um leão. Por isso teve morte violenta, foi assassinado no meio da rua por um desafeto. Fechadas as cortinas, sob aplausos generalizados das pessoas de sua geração, é preciso que os marienses do futuro saibam que aqui viveu um guerreiro pelas causas sociais, um homem que dedicou sua vida na defesa de suas idéias socialistas e que, na prática de vida, sempre foi coerente.
Quando morreu assassinado o camponês João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas em Mari e Sapé, o deputado campinense Raimundo Asfora disse que “é inútil matar camponeses, porque eles sempre viverão, como assombração batendo nas portas das casas grandes e dos engenhos, gritando na voz do vento dentro da noite, pedindo justiça e clamando vingança. João Pedro não morreu, ele passeia nas estradas de Sapé, sonhando com a reforma agrária e com a organização do povo”. Assim imaginamos a figura de Gilvan Camilo. Ele também não morreu. A materialidade do delito de homicídio está provada nos autos, o homem que matou Gilvan já foi esquecido, mas a vítima permanece pelo depoimento das testemunhas que, igual a mim, sabem caracterizar que a autoria do crime atende pelo nome de “sistema político e social”. Gilvan era um homem que incomodava o tal sistema, e foi preciso morrer assassinado para surgir sua verdadeira dimensão.
Na hora em que rabisco esses perfis marienses, promovo o resgate histórico dos grandes vultos de Mari, pela preservação dos valores culturais e morais presentes na vida dos que conheci e dos que tive notícias na terra de Adauto Paiva. É dentro deste contexto que menciono o nome de Gilvan Camilo, lamentando não ter mais dados biográficos por puro desinteresse da família. Guardo, porém, as impressões mais vivas de sua pessoa, nos contatos que com ele tive. Gostava de andar com um enorme dicionário embaixo do braço, onde garimpava palavras para seus manifestos e artigos que mandava imprimir e distribuir na cidade. Pequeno industrial (dono de uma padaria), Camilo era vocacionado mesmo para as lutas políticas e o embate das idéias.
Logo depois do golpe de 64, dinamitaram o monumento em homenagem a João Pedro Teixeira, erguido à margem da estrada Café do Vento – Sapé. Mas foi inútil, porque a saga daquele mártir pela justiça social ficou conhecida no mundo inteiro. Assim o nome de Gilvan Camilo jamais se apagará da memória de Mari.