UMA NOITE, UM HOMEM, UMA MULHER.

A música nem era tão boa.

No ambiente escuro era difícil reconhecer as pessoas.

Corpos pulavam em meio à fumaça espessa.

O espaço era reduzido demais,

e todos pareciam querer desmentir uma lei da física:

dois corpos não ocupam o mesmo espaço.

Entre um esbarrão e outro, pés eram pisoteados.

A música continuava ruim.

Um bate estaca tal qual uma britadeira em cada um dos ouvidos.

As pessoas em transe dançavam como se estivessem expulsando suas almas do corpo.

E foi assim que ele começou a noite.

Na verdade não era bem o começo.

Tudo teve início quando ele ainda tentava juntar coragem pra sair sozinho.

Dava-lhe um arrepio na espinha só de imaginar enfrentar a selva noturna.

Fazia muito tempo que não fazia isso.

Mesmo sem sentir-se velho, passar dos 40 fez com que ele revisse alguns conceitos.

Mas lá estava ele.

Uma Smirnoff Ice na mão.

O ar estava cada vez nublado, e a música não melhorava.

Olhou em volta pra ver se tinha mais alguém sozinho.

Ele viu casais, viu turmas de amigo, mas ninguém estava sozinho.

Sentindo-se um peixe fora d'água ensaiou ir embora.

Foi quando, no meio da multidão, avistou uma mulher linda.

Aquela visão destoava de tudo e de todos.

Parecia que uma luz celestial a mulher, igual àquelas que aparecem em filmes bíblicos.

De repente tudo pareceu ficar claro.

Ela estava com mais 3 amigas e dançava de forma frenética.

Seus cabelos longos pareciam ter vida própria.

A luz do lugar deixava tudo em camera lenta.

E aos poucos ela foi desvendandos aos olhos dele.

Ela era loira. Seus cabelos chegavam até a cintura.

Seus olhos eram tão lindos que era impossível não fitá-los com admiração.

Os deuses atenderam seu pedido e houve uma pausa na britadeira do DJ.

Por um momento ela parou de dançar e foi até o bar buscar uma bebida.

Ela passou perto dele, o suficiente pra deixar no ar um delicioso aroma de perfume.

E de perto ela era mais linda ainda, e ele pode prestar mais atenção em seu corpo.

Uma loira linda, do tipo que ele mais gosta: uma falsa magra.

Nem sabia o seu nome e já ficou imaginando as curvas daquela mulher sob as roupas.

Agora ela também estava com uma Smirnoff Ice em uma de suas delicadas mãos.

Num gesto que mais parecia um ritual da natureza, ela juntou seus cabelos e começou a enrolá-los, como se estivesse fazendo um rabo de cavalo. Ele achou aquilo tão sexy, e foi quando percebeu que estava hipnotizado pela beleza daquela mulher.

Enquanto tentava se refrescar abanando o vento em seu pescoço, ela mudou de posição e seus olhos se encontraram.

Foi o primeiro olhar mais fulminante de toda a sua vida.

Raios cósmicos ultra dimensionais pareciam sair de seu olhar.

Ambos se encaram de um jeito tão urgente, que parecia ser a última chance dos dois.

Ela passou a mão nos cabelos, tomou o último gole da Smirnoff Ice e lançou mais um olhar.

O coração dele estava batendo a mil, e ele esqueceu do lugar que estava, dos motivos que o levaram até lá.

Esqueceu do casamento desfeito, dos problemas no trabalho e das intermináveis noites solitárias.

Tudo que importava naquele momento era apreciar aquela beleza iniguilável.

O tempo estava em outra dimensão. Pouco importava o movimento dos ponteiros do relógio.

O corpo daquele homem foi tomado por um vendaval de emoções quando a linda mulher lhe mandou um sorriso.

Mas será que foi pra ele mesmo?

E se fosse pra outra pessoa?

Ele estava tão carente e tão inseguro que tinha medo de se machucar mais ainda.

Percebeu que a música continuva rolando, mas desta vez era alguma coisa dos anos 90.

Ela agora dançava de um jeito sensual, como se estivesse cortejando alguém.

Talvez fosse apenas o desejo dele, talvez fosse apenas um homem fantasiando.

Mas ela era real, real, fabulosa e linda.

Ele precisava fazer algo, era melhor se arrepender pelo que fez, do que por não ter feito nada.

A oportunidade surgiu.

Ela saiu da roda de amigas e foi pra fora da pista de dança.

Quando entrou num corredor e foi atrás, não sem antes pisar num pé e derrubar um copo cheio de uma mão qualquer.

Ela estava parada em frente a porta do banheiro.

Ele parou de repente e ficou admirando aquela visão.

Ela vestia calça jeans e uma blusa branca.

O seu perfume estava por todo o corredor.

Ele absorveu cada partícula daquele cheiro, tal qual alguém que acabou de acordar e está sentindo o cheiro do mato

numa manhã ensolarada de domingo.

Parecendo sentir a sua presença ela se virou com graciosa calma.

Como ela é linda, pensou o homem totalmente fora de controle.

Seus olhares se encontraram e aquela urgência continuava presente.

Ela não sorriu, mas seus olhos brilhavam tanto que pareciam iluminar aquele corredor escuro.

O homem percebeu que não sentia mais suas pernas.

Seu corpo parecia que estava levitando, ele parecia não ter mais controle sobre seus atos.

Quando percebeu, suas pernas bambas se moveram por vontade própria em direção daquela mulher linda.

Como se estivesse segurando as pétalas de uma rosa, as mãos do homem envolveram aquele rosto fino, mas de traços marcantes.

Suas mãos percorreram seus ombros, seu pescoço, tal que mãos tateando no escuro do núcleo de um furacão.

Os olhos de ambos estavam brilhosos e úmidos.

Bocas e língua se encontraram. Primeiro com uma suavidade densa, mas depois que ambos sentiram o gosto um do outro, um beijo longo e selvagem tomou o lugar.

Ele jamais havia beijado uma boca igual aquela, sentiu-se no paraíso. Trovoadas e relâmpagos invadiram seu coração.

Ela estava de olhos fechados. Suas mãos, antes comportadas, agora passeavam pelo corpo do homem.

Os dois estavam pegando fogo.

As mão finas da bela mulher apalparam sobre a calça o membro ereto, que parecia gritar por socorro, implorando pra ser libertado da prisão perpétua.

De repente ela abriu os olhos e o beijo foi interrompido.

Ela contornou o rosto do homem a sua frente. Passou as mãos pelas suas faces, pelo seu nariz e pelo seus lábios.

Sorriu de forma triste, mas ainda assim linda, e antes que ele pudesse falar qualquer coisa, fez um sinal de silêncio, como se falasse: não diga nada por favor.

Virou as costa e foi embora, não sem antes beijar suavemente os lábios do homem que parecia estar num sonho sem sentido.

A música bate estaca voltou, a fumaça continuava nublando o ambiente e o homem foi pra embora do mesmo jeito que chegou, sozinho e perdido.

Deep Blue
Enviado por Deep Blue em 29/05/2009
Reeditado em 15/12/2009
Código do texto: T1621248
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