Das enchentes no Piauí e de nossa dor

Tive pensamentos de esquecer o dia. Fingir que não era conosco. Então decidi escrever o que me agoniava a alma. Como uma flecha dessas envenenadas que devem atingir o coração de imediato e quebrar as defesas do corpo. Assim estou eu e outros tantos no Brasil. Perdidos! E se escrevo é porque não há como negar o que nos aconteceu.

Nosso pacato mundo foi invadido pela morte.Nesta quinta-feira (28) a morte atingiu nossos irmãos da cidade de Cocal-PI na área atingida pelo rompimento de uma barragem. E estou à procura de mim mesma na manhã que nasce. Estou sem norte e só vejo os acontecimentos da tragédia. O que me amedronta é que ouço os sons dos pássaros; há risos na rua; as borboletas voam em seu passeio matinal; e nós, no Piauí, sangramos por dentro sem entendermos. Há uma luta dentro de mim. E ela me diz que devo ter Fé e olhar que ainda há esperança do homem saber amar as coisas simples e louvar ao dia que nasce. Ainda teremos como fazer algo pelos irmãos. Pela vida.

Quero ser uma abelha e pousar numa flor. Deve ser delicioso provar do néctar logo pela manhã. Mas sinto meus lábios frios e secos. Folhas caem do cajueiro, que como eu, está meio morto. Estou cansada de esperar o sol nascer e brilhar para todos. Meus dedos querem parar no teclado e ficar em meu colo adormecidos.

Mas continuo... Os pensamentos são mais fortes...Talvez porque a cada um cheguem provas de Fé de formas diferentes. Talvez cada um tenha forças secretamente que até mesmo eles desconheçam. Mas estou morta. Não tenho como fingir que não aconteceu: _Morreram sete pessoas no rompimento da barragem de Algodões no Piauí, na vizinha cidade de Cocal.

Como se dá uma notícia dessas aos amigos? Essas palavras não deveriam ser ditas. São palavras pesadas, sofridas a qualquer alma. Diante da dor que se diz? Paro de digitar e choro? A lágrima teima em cair. E não há como retê-la. O difícil é achar a palavra certa a dizer nessas horas.

Morremos um pouco já no instante em que nascemos. Aí começa o processo da vida. (Perdoe a quem sente o coração morto. Detalhar a tragédia é um martírio.)

Nunca fui boa na escrita pessoal. E vejo que falar de dor – que também é minha e nossa – rasga uma fibra no peito. Sinto que as horas passam. Sabemos que nascem crianças todos os dias. E que se diz de uma criança que foi encontrada na lama após o rompimento da barragem? Que nasceu de novo? E da menina que se segurava num galho de árvore e foi ajudar a mãe e, ambas, foram ao encontro do Criador? (Alguém interrompe o nascimento de uma vida na hora do parto? Uns nascem, outros...morrem. É necessário dizer que nossa alma está em prantos neste instante? E não devemos fazer perguntas dos culpados... Só amar sem destruir a natureza.)

Olho as horas. O jornal do estado vai começar. Devo ligar a TV- Deus, que tudo esteja conforme nossa Fé suporte...

Sei que fora os pássaros gorjeiam, mas aqui dentro d’alma ouço um réquiem...

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 29/05/2009
Reeditado em 31/05/2009
Código do texto: T1620867
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