Descrença
Tão poético é viver de sonhos. Tão belo é deixar-se levar por fantasias, perder-se no imaginário. Mas isso não me comove, não sou poeta.
O quão agradável pode ser perder alguns minutos aparentemente insignificantes a discorrer sobre o incerto, arriscar-se em tentativas de decifrar os borrões do futuro distante, ou planejar qual será o melhor próximo passo.
É reconfortante mergulhar de cabeça em seu próprio mar de devaneios, torna-se algo como uma prazerosa fuga do tédio cotidiano, que dia após dia apresenta sempre os mesmos fatos, as mesmas faces, as mesmas facas. É mágico poder sempre encontrar em seus sonhos um castelo de muralhas sólidas com os portões constantemente abertos à espera do momento em que se torne necessário, servindo como refúgio às aflições da vida real. A facilidade arrebatadora dos projetos fictícios funciona inconscientemente como uma alavanca, impulsionando o devaneador a seguir em frente, motivando-o a persistir na busca por suas realizações.
O prazer vem trazido pelo vento, que passa e leva consigo os últimos traços da chamada sanidade. Sonhar é fácil, e indolor.
Mas não é para mim.
Por mais que pareçam saborosas as incursões desgovernadas por esses paraísos oníricos, ainda me apego firmemente ao que é real. Mais do que qualquer curiosidade em prever o amanhã, me agrada viver o presente, e da forma mais intensa possível. Me encanta a insegurança desafiadora da realidade, convidando a arremessar-me no primeiro túnel à vista sem parar um segundo sequer para refletir sobre o destino que teria.
Escolho continuar correndo, ao invés de me sentar e imaginar como transpor o obstáculo à frente, assim, depois posso rir enquanto vasculho o chão em busca de dentes perdidos e ossos quebrados, com a satisfação de poder ter tido a oportunidade de aprender algo.
E a lição mais valiosa que já tive na vida foi a de que nada é eterno, por isso cada momento é único e deve ser aproveitado ao máximo, porque muito em breve, restarão apenas lembranças.
Não sei ao certo o que me motivou a adotar essa postura, mas há muito tempo decidi deixar os sonhos para os inocentes, as crianças e os que mais precisam deles. Contento-me em viver apenas pelo hábito, sem saber direito para que ou para quem, sentindo atração apenas por aquilo que é efêmero - pequenos prazeres, amores relâmpago, enigmas simplificados - nada com muito propósito e sentido.
Inúmeras vezes perguntaram-me se era mais feliz vivendo desse modo, e juntando as poucas certezas que tenho, posso responder: não, claro que não.