Cartas de Salamanca - Palácio Maldonado: um pedaço do Brasil
“Isso aqui, ô ô, é um pouquinho de Brasil, Iaiá”
Música: Isto aqui, o que é? (Sandália de prata), de Ary Barroso
Nós brasileiros que vivemos aqui em Salamanca, Espanha, tivemos uma semana diferente. O fato é que existe um Centro de Estudos Brasileiros funcionando há cerca de oito anos em uma das salas da Universidade. E agora, o Centro ganhou, como sede, um Palácio. Isso mesmo: o Palácio Maldonado. E a inauguração foi à altura da conquista, com programação que preencheu toda uma inolvidável semana.
Para começo de conversa, uma palestra sobre a nossa Constituição, proferida pelo catedrático de Direito Constitucional da Universidade de Salamanca, doutor José Luis Cascajo, de quem, por sinal, já tive a honra de ser aluno. Nada melhor para começar a “Semana Brasileira”, com comentários acerca da nossa Carta Magna, que, por sinal, está comemorando, este ano, o seu vigésimo aniversário.
Além de outras tantas palestras, a programação cultural não deixou por menos, proporcionando momentos de extremo bom gosto e até mesmo mexendo com nosso saudosismo patriótico. Talvez seja um tanto difícil traduzir a emoção de quem está distante ao ouvir uma das Bachianas Brasileiras do grande Heitor Villa-Lobos. E, no caso específico, diga-se de passagem, com uma extraordinária interpretação de uma soprano do quilate de Maria Eugênia Boix, acompanhada pelo jovem instrumentista português Eduardo Baltar Soares.
Em paralelo à “Semana Maldonado”, a cidade de Salamanca sediou, com galhardia, o I Congresso de Estudiosos do Brasil na Europa. É certo que em quase todos os países europeus existem acadêmicos interessados em desenvolver estudos sobre os mais variados aspectos do nosso país; e o evento serviu, entre outras coisas, para estruturar uma discussão em torno do surgimento de uma “rede” desses pesquisadores.
Palestrantes conceituados internacionalmente foram debatedores de mesas, que abordaram desde questões econômicas e sociológicas, até instigantes aspectos da nossa literatura e das artes, em geral. Podemos citar, como exemplos: Timothy Power, da Universidade de Oxford; David Treece, da Universidade de Londres; Roberto Vecchi, da Universidade de Bolonha; Antonio Maura, da Complutense de Madri, dentre outros. O mundo acadêmico brasileiro também participou com nomes de altíssimo nível, tais como: Ricardo Carneiro, da Universidade de Campinas; Renato Boschi, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), sem falar no representante da CAPES, professor Sergio Adorno.
Nós, doutorandos de diversas universidades européias, tivemos a oportunidade de demonstrarmos resumos dos trabalhos de pesquisas que estamos desenvolvendo. Muitos estudos foram os apresentados, mas, exemplifico a diversidade e a abrangência dos temas, citando pelo menos dois: o do espanhol Juan Vicente Bachiller, que pesquisa aspectos ligados ao governo do presidente Juscelino Kubitschek; e o do cearense Carlos Jorge Dantas de Oliveira, cuja pesquisa aborda o tratamento e a incidência do cordel em nossa história literária.
Bem, voltando a comentar sobre o Palácio, os escritores José Luis Malho Fernández e Diego Malho Galán, autores do livro “El Palacio Maldonado”, afirmam que o referido sodalício foi mandado construir por Dom Diego Maldonado, personagem pertencente à aristocracia salmantina da primeira metade do Século XVI, sendo projetado pelo arquiteto Juan de Álava. O Palácio, que conserva até os dias atuais sua bela fachada plateresca (estilo típico do Renascimento espanhol), após passar por tantas mãos, foi adquirido pela Universidade de Salamanca, que resolveu destiná-lo como sede do Centro de Estudos Brasileiros.
Uma curiosidade que nos chamou atenção foi o fato de as obras de construção do palácio terem sido iniciadas em 1529 – sendo concluídas 3 ou 4 anos depois – ou seja, a empreitada de Dom Maldonado praticamente corresponde aos primeiros passos do Brasil, que vivia o ainda tímido desbravamento, após a chegada de Pedro Álvares Cabral. São os chamados “fios enredados do destino” que proporcionam essas coincidências.
Enfim, quando estava no Palácio Maldonado apreciando a bela exposição intitulada “Bandeiras do Brasil” – cuja variedade em tons, formatos e tessitura, revelam, e bem representam, a multiplicidade etnogeográfica do nosso “Brasil caboclo, de Mãe Preta e Pai João”-, fiquei pensando, cá com os meus botões: “estas paredes seculares não imaginavam que um dia ainda iriam abrigar e testemunhar tanta brasilidade...”.
E assim, uma miscigenação, à moda brasileira se fez na Espanha: Dom Diego Maldonado deve estar satisfeito com esse feliz casamento, pois afinal a cultura brasileira e a hispânica têm raízes fortes e muita coisa em comum. Viva o novo espaço, e que tenha longa vida o Palácio Maldonado, agora, como um pedaço do Brasil.