O gosto pela independência dos fatos

Enquanto descia a escada da porta de saída do ônibus, fazia pequena busca por pauta para o texto da semana. De todas encontradas, nenhuma me agradava. Era o campo da idealização. Até que resolvi construir este parágrafo com a aposta de que no decorrer do dia surgiria o assunto, motivado por algo absolutamente inesperado. Seja um fato do cotidiano, um sentimento guardado, alguma leitura, o que fosse.

Não houve o desejado. Nada me trouxe a possibilidade da continuidade da escrita. Também, não fiz busca alguma de ideia qualquer. De lá pra cá, já se passaram quatro dias. O que se somou foram estresse e cansaço físico em demasia.

Aqui no consultório médico resguardo-me. Ao adentrar à sala de espera contrariei-me com a presença de tantas pessoas. Reclamei para mim por que tão cedo muitos estão aqui, em um lugar como este. Mas logo me lembrei do tamanho da cidade e que qualquer um aqui poderia fazer a mesma reclamação que fazia em silêncio.

Creio que tenha sido a mais rápida consulta que já fiz. Não posso negar sincera contrariedade ao ser encaminhado para um especialista. O que significa, num primeiro momento, que levantar tão cedo, cansar-me com ônibus lotado, irritar-me na recepção eletrônica, foi em vão. Mas ainda ali, ao me levantar da cadeira e me despedir da médica com o resto de simpatia que me era possível, refleti que ao menos aprendera. Da próxima vez marcaria diretamente com o médico mais adequado, no caso um ortopedista. Se não o fiz, foi pela urgência da coisa. Saí como entrei. Não olhei rostos e só enxerguei o chão. Despedi-me da simples moça da recepção. Dali até o metrô eram poucos passos, mas no cansaço tudo é mais longe.

No final de semana fui torturado pelo silêncio dela. Felizmente, uma emissária me deu informações positivas. Era noite de sábado, quase 22h. Eu fora convidado para um jantar de aniversário. Acabara de chegar da casa de meu irmão, onde fora agraciado com deliciosa sopa e surpreendente bolo. Voltei para o carro e antes de partir mandei mensagem escrita pelo celular, dizendo-me aberto para ouvir. Outra vez mais recebi resposta alguma e já me arrependia da flexão do meu silêncio.

O local para o qual eu me dirigia era um tanto longe. Fui com meu pequeno automóvel. Tomei a Avenida dos Estados, certo de que não erraria. Mas errei. Estava só em local desconhecido. Minha companhia e meu guia eram as placas. Encontrei o rumo certo e cheguei ao local onde deveria esperar a pessoa que me guiaria ao meu destino final. Assim o foi.

Havia algo inusitado naquela noite. Presente uma mulher que se interessara por mim em outra ocasião, e outra que me julgava interessante em função de imagens vista em site de relacionamento. A primeira delas, eu até havia tentado uma aproximação, sendo que foi tudo em vão. Extremamente tímida, olhou-me com alguma inquietação. Apenas a cumprimentei educadamente, sem demorar meu olhar. Ficamos no mesmo cômodo somente na hora dos parabéns. De certo, avaliei por algum instante o que julguei ter perdido. Embora fosse dona de alguma beleza, demonstrava mais classe do que outros atributos. Revê-la não me causou frustração alguma. Muito provavelmente porque meus pensamentos estavam em outra mulher, cujo silêncio me aborrecia de alguma maneira.

Hoje é segunda-feira e já passa das 13h e ainda não almocei. Uma senhora evangélica passa por aqui e pede que eu anote um nome para ela. Fará orações pela pessoa detentora do nome e sugere que também anote o meu. Aceito simpaticamente e solicito apenas que coloque outra pessoa no pacote. Ela me informa que tudo será como Deus quiser. Sorrio e gosto do momento. Ela se vai e se despede de maneira divertida. Deixo o local por um instante para tomar um café logo em frente. As meninas me parecem um tanto reticentes em retribuir a simpatia que calculo demonstrar.

No dia que se segue, a minha apreensão por um silêncio alheio que me ainda me castiga. As tentativas frustradas de minha parte em fazer contato causam-me alguma irritação. O campo da incerteza é torturante. O ser humano precisa de algumas certezas para seguir em frente de maneira firme e convicta. Percebo que meu telefonema é muito mais para busca disto do que qualquer outra coisa. Acho que apenas quero a situação resolvida, sem isto me sinto preso, impossibilitado de seguir em frente de modo tranqüilo.

Faço a primeira tentativa e do outro lado certo alguém não atende. Irrito-me e acho que me é negado o direito de ouvir. Teço uma mensagem definitiva que trás consigo o rompimento do que mal começou. Ao término das poucas palavras, receio enviá-las. Faço uma última tentativa e ouço a voz dela ao celular. A conversa é rápida e feita de poucas palavras. Fica acertado que esperarei um telefonema.

São os fatos da vida. O cotidiano literário. Um amigo acha engraçado que embora eu fique chateado, no fim veja tudo como literatura. Para mim, a vida é como é. E assim deve ser. Gosto da independência que os fatos parecem carregar. Acho bela essa nossa fragilidade. É uma maneira minha de ver as coisas. Cada um tem a sua, ou não.