O MEDO DA MORTE

Muitos anos depois entendi que o que mais me impressionou em I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, foi o sentimento de medo da morte demonstrado pelo jovem guerreiro Tupi, prisioneiro dos Timbiras, que suplica e é libertado, mas retorna à tribo inimiga, pela mão do pai, já cego e idoso, onde, afinal, é sacrificado, de acordo com as tradições.

Fazendo um paralelo com a realidade atual, percebemos, no dia a dia, que a maioria das pessoas tem medo da morte. Isso a princípio, depois acabamos descobrindo que o medo não é propriamente da morte, mas sim da maneira como irá morrer. É fácil comprovar isso.

Certo dia, em um velório, ouvi a velha perguntar: “Do que foi que ele morreu?”. E o inquirido respoder-lhe: “De congestão. Comeu carne de porco e depois chupou melancia”. Percebi a careta que a velha fez e conclui que ela jamais chuparia melancia depois de comer carne de porco. História parecida aconteceu em outro velório. O sujeito perguntou ao amigo de quê que a senhora no caixão havia morrido. “Estava menstruada e lavou o cabelo, teve derrame e morreu na hora”. Ele sorriu e saiu despreocupado, desse risco não corria.

O medo de como morreremos está enraizado em nós porque não aprendemos a lidar com isso. Rejeitamos a dor e a agonia como forma de defesa e do ideal da busca pela felicidade plena. Mas nos iludimos sempre. Não há como escapar da dor e da agonia, qualquer que seja a cauda da morte. Esse é o preço da vida, o modo de Deus nos dizer que somos limitados e humanos.

Um outro poema de Gonçalves Dias, “Canção do Tamoio”, diz aquilo que é inevitável: “Não fujas da morte, /Que a morte há de vir!”. Procuro seguir essa verdade e estar preparado para receber a morte quando ela vier me buscar, a exemplo do que fez Manuel Bandeira, conforme o seu “Consoada”: “O meu dia foi bom, pode a noite descer./ (A noite com os seus sortilégios)./ Encontrará lavrado o campo,/ a casa limpa,/ a mesa posta,/ com cada coisa em seu lugar”.