Manoel Xudu, um gênio do povo

Tenho grande simpatia e empatia com os personagens que tenham contribuído de alguma forma para o coletivo, que tenham dedicado suas vidas por uma idéia, uma causa, ou tenham consagrado sua inteligência à execução de uma arte. Os que se distinguem, os excepcionais, esses merecem a imortalidade. Os grandes artistas populares quase sempre são esquecidos por não terem traquejo social, prestígio ou militância política. Que devemos prestigiar nossos valores, de ontem e de hoje, é inquestionável. Organizei um livreto com o propósito de levar a cabo a missão de preservar um pouco da obra do grande Manoel Xudu, esse filho de São José dos Ramos que foi um dos maiores artistas que se conheceu na arte de improvisar versos ao som de uma viola.

Eu mal havia completado dezessete anos, e já freqüentava as barracas que vendiam cachaça, galinha torrada e macaxeira, na beira da linha, em Itabaiana. Essas barracas permaneciam abertas a noite toda, nas segundas-feiras, véspera da grande feira de Itabaiana, para onde convergiam centenas de matutos de toda região. Eram redutos de violeiros e emboladores de coco, que passavam a noite bebendo e divertindo a matutada. Foi ali onde conheci Manoel Xudu, a quem devo o favor da minha iniciação nos segredos da belíssima arte do improviso, a sextilha, o setessílabo, o decassílabo, a gemedeira, o mourão perguntado, o martelo alagoano, o mote, o tema e outros detalhes do mundo mágico dos cantadores repentistas. A cultura na sua mais pura forma de ser, os magníficos poetas repentistas com seus jogos de palavra e seu raciocínio veloz em torneios semânticos que, às vezes, duravam dias e noites.

Manoel Xudu merece constar na galeria dos grandes artistas populares do Brasil. Esse fenômeno da poesia popular divulgou em versos geniais os valores sociais, políticos, religiosos, culturais e econômicos de sua terra, nas tradicionais cantorias que foram, durante muito tempo, a educação informal principalmente das comunidades do campo.

O saber do povo, a bem da verdade, sempre foi olhado com desconfiança pelas elites dirigentes. No entanto, hoje a obra de Manoel Xudu é estudada por pesquisadores da cultura popular. Louve-se a iniciativa da prefeitura de São José dos Ramos, de editar este livreto com o que de melhor produziu o poeta e foi gravado pela memória de alguns admiradores, além de versos de folhetos de cordel, como é exemplo a “Peleja de Manoel Xudu com Zezé Lulu”, publicado na íntegra neste opúsculo. Conhecendo-se a má vontade dos esquemas oficiais, quando se trata de apoio à produção artística e cultural dos pobres, damos graças aos deuses do Parnaso por São José dos Ramos ter um prefeito, Azenildo Ramos, amante da poesia e da cultura popular, ele que investiu na divulgação da história da vida e obra desse poeta simples, reconhecido hoje como um dos maiores repentistas de todos os tempos no Nordeste.

Em um festival de poetas no Clube Astrea, em João Pessoa, pediram uma definição de poesia. Manoel Xudu saiu-se com este improviso:

“Poesia tão linda e soberana

E tão pura, tão branca igual a um véu...

Está na terra, no mar, está no céu

E no pelo que tem a jitirana.

Ela está em quem vive a cortar cana

Quando volta pra casa ao meio dia...

Está num bolo de fava insossa e fria

Que um pobre mastiga com lingüiça.

Está na paz, no amor e na justiça

O mistério da doce poesia.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 26/05/2009
Código do texto: T1615251