Domingo friorento
nem carroças se vê.
Restou apenas um vazio sonolento,permitindo que
esganiçados violinos, na forma de um octeto Schuberti-
ano, tocassem no rádio uma peça eruditamente monó-
tona.
A chuva espantou aqui e ali, moscas, mosquitos, gatos e
cachorros, e muito mais: silenciou o ruído característi-
co dos fala-alto, esses passantes ,cujo hábito adquirido
ao longo de gerações é aquele do burburinho. Ninguém
mais fala: grita.
Essa ausência de sons é estranhável, mas muito agradá-
vel...pois tenho a impressão que todos caminham com
aquelas mesmas pantufas almofadadas que tive de cal-
çar quando visitei a famosa biblioteca de Saint Gallen,
na Suíça.
O silêncio pode ser muito grave e chegar até a importu-
nar,mas quando chuva, frio e silêncio se juntam cria-se
a harmonia para profundas reflexões. Será que o mundo
parou? Virou filme do Apocalipse?
Só não parou porque de repente ouço o tinido de uma
colherzinha sobre o pires...anunciador de que o café lo-
go estará sobre a mesa e que devo me apressar um pou-
co para terminar este escrito.
Sim...dominamos o frio esfregando as mãos,exatamente
como fazíamos no Paleolítico,onde os homens criavam
as primeiras labaredas que iriam incendiar o mundo...
O frigidíssimo suscita vontades de calor e aconchego e
sabemos o quanto é bom ficar debaixo de cobertas
quentinhas.
Olho do portão a longa avenida... e lá embaixo,indiferente
ao gelado da tarde,o empinador de pipas junta-se ao bucó-
lico quadro das águas espelhadas da represa escura, onde
aflorando como caniços, vêem-se os alongados pescoços das
brancas garças-reais, que suspensas em uma só perna ,e de
olhar atento, buscam pequenos lambaris e acarás, seu pra-
to preferido.
O silêncio é silencioso...
Uma pipa sobe e desce no irrequieto vento...Dá voltinhas...
Empinando, ele extasia seus olhos no céu...e nem sente frio...
Muito corajoso aquele moleque !!!
Cássio Seagull 20.08.08 12.40 h SP
Lua Cheia Sol 27 graus.