Trambiqueira, eu?...

Em tempos anteriores ao euro, uma tarde fui com minha filha ao Museu de História Natural, em Paris. Chegada a minha vez de comprar ingresso, entreguei ao bilheteiro uma nota de quinhentos francos. Muito, para pagar uns vinte, se tanto, mas era o que eu tinha. Lá, normalmente ninguém pede “tem trocado?”, como em nossa terra. Fiquei tranquila.

Atrás do balcão, o homem pegou a nota e não pareceu satisfeito. Mentalmente eu já me preparava para uma pequena discussão, embora não estivesse disposta a bater boca com francês nenhum, que eles são duros na queda. Ainda mais eu sendo estrangeira. Mas não foi preciso, o pior veio depois.

Segurando a nota com as duas mãos, ele a virou de todos os lados, enquanto passava freneticamente os dedos sobre ela, com agilidade de fazer inveja. Só parava de vez em quando para olhá-la contra a luz. De repente passou a resmungar: não é boa!

Percebendo o tamanho do problema, comecei a imaginar. Se a nota for falsa, não adianta discutir, vão me prender. E aí? Só estamos nós duas aqui. Se eu for pro xilindró, levarão minha filha de onze anos para Juizado de Menores. Quem vai acreditar que sou inocente? Quem vai querer me ouvir? Lá você conta ao juiz, é o que diriam aos berros, me empurrando pro camburão...

Outras tantas coisas me passaram pela cabeça. Teria que telefonar para que os amigos me arranjassem um advogado... Será que me deixariam usar o telefone na delegacia?...

Foi então que me lembrei de ter guardado na bolsa o comprovante da transação de câmbio feita na véspera, num dos maiores bancos da França. Discretamente procurei o papel. Lá estava, felizmente. Talvez não resolvesse o problema naquela hora, em todo caso, devia servir para alguma coisa...

Embora absorta nessas divagações, não perdi de vista as mãos do bilheteiro. Depois de revirar minha nota umas duzentas vezes, ele abriu uma gaveta e pegou um aparelhinho. Pôs o dinheiro nele. Olhou. Retirou a nota e a colocou em outra gaveta. Em seguida me passou as entradas junto com o troco, sem dizer nada. Ufa!

Ainda tensa, subi as escadarias me sentindo esquisita. Tinha cara de trambiqueira?... Como será que me sairia desta se tudo tivesse dado errado?... Nem podia comentar com minha filha ainda criançona...

Só mais tarde, jantando em casa de Sophie e Antoine, pudemos rir à beça, imaginando os detalhes sórdidos da minha prisão...