Mentirinhas
que eu gosto
Fui um razoável aluno de História.
Provaria fácil o que aqui afirmo, exibindo meus boletins escolares. Mas todos foram inapelavelmente devorados por insaciáveis cupins.
Esqueci de preservá-los; de livrá-los da ação destruidora do tempo. Também, mais de meio século me separa da minha última aula, no curso colegial.
Gostava mais de História Universal, ou, se preferirem, de História Geral.
Confesso, que, já naquela época, apenas alguns episódios da história do Brasil chegavam a empolgar-me.
Por que mentir? E olhe que estudei essa matéria num tempo em que a gente acreditava, pra valer, nas figuras que faziam nossa história; a história pátria.
Tive bons professores de História Geral.
Frei Albino Poppemberg, por exemplo. Devo a esse iluminado e saudoso franciscano alemão, o que de melhor e mais bonito aprendi sobre os troianos e os gauleses; sobre os gregos e os romanos.
Com seu estímulo, atravessei noites, várias noites, estudando as conquistas das legiões romanas; as guerras gálicas ("De Bello Gallico"); e as famosas guerras púnicas.
E não poupava aplausos aos feitos bélicos de Cáio Júlio César; à coragem do chefe gaulês Vercingétorix; e a ousadia do cartaginês Aníbal, o herói do Rio Pó, considerado o maior gênio militar da antiguidade.
Mas uma guerra - mais do que todas as outras - me encantava: a guerra de Tróia. Encanto que se renovava a cada aula do pícnico frei Albino, um mestre em criar, nos seus seminaristas, um exagerado "amor" pelas peripécias belicosas greco-romanas.
O embate entre gregos e troianos - acreditem se quiserem - me fez poeta por um momento!
Pois é. Escrevi, em uma folha de caderno, terminada a aula, versos para Helena de Tróia.
Versos tão fraquinhos, mixurucas, que não senti remorso ao jogá-los na lata do lixo. Helena não merecia um "poema" pobre na rima e ridículo no conteúdo.
Muito jovem, e, como tal, eu podia tudo; até ser poeta. Mas Érato, a musa grega da poesia amorosa, protegendo-me, não me deixou ir além do Poema para Helena.
Confirmava-se, mais uma vez, a conhecida expressão latina segundo a qual, "Nascuntur poetae, fiunt oratores".
Eu não nascera poeta...
Arriscava-me a tanto, porque acreditava, cegamente, no que meus professores de História me contavam sobre a rainha grega, ou seja, que Helena traíra Menelau, e fugira com seu amante, o príncipe troiano Páris.
E que a traição e a fuga teriam provocado uma guerra entre Tróia e a Grécia, conflito descrito, com beleza helênica, por Homero, na imortal Ilíada.
Por isso, foi enorme minha decepção quando, um dia, faz algumas décadas, os livros me revelaram que a guerra de Tróia não teria acontecido; e que Helena, nascida "de um ovo de cisne", não passava de uma doce figura mitológica.
No seu livro, Lendas, Mitos e Mentiras da História do Mundo, que acabo de ler, o escritor Richard Shenkman tece, sobre esse assunto, um frio comentário.
Dizendo-se estribado em pesquisas sérias, Shenkman reforça a tese, afirmando que sobre a guerra de Tróia, "tudo que temos é um poema sobre uma guerra que provavelmente nunca aconteceu, escrito por um homem que pode não ter existido".
E sobre Homero: "Ninguém sabe quem era ele, onde ele viveu e se realmente existiu." E se existiu, conclui o escritor: "Viveu no século VIII ou IX a.C., cerca de quatro séculos, portanto, depois da guerra que descreveu".
A notícia de que Helena de Tróia nunca teria existido, mexeu comigo. Recebi-a me lembrando, com saudade, do quanto cultivara, na minha imaginação de mancebo imberbe, sua linda imagem.
Atrevendo-me, como afirmei, a escrever um poema cantando seu donaire e ressaltando sua coragem de pôr na testa do poderoso Menalau um histórico par de chifres...
Mas, apesar do que, anos a fio, tenho ouvido dos pesquisadores, mantenho-me naquela de continuar "acreditando" - serei eu um imbecil? - que Helena de Tróia existiu; e que ela teve um caso com o príncipe Páris, deixando Menelau, seu maridão, chupando o dedo...
E, finalmente, que por causa de tudo isso, houve uma guerra, a guerra de Tróia.
Mas se é tudo lorota?
São dessas mentirinhas que eu gosto...
que eu gosto
Fui um razoável aluno de História.
Provaria fácil o que aqui afirmo, exibindo meus boletins escolares. Mas todos foram inapelavelmente devorados por insaciáveis cupins.
Esqueci de preservá-los; de livrá-los da ação destruidora do tempo. Também, mais de meio século me separa da minha última aula, no curso colegial.
Gostava mais de História Universal, ou, se preferirem, de História Geral.
Confesso, que, já naquela época, apenas alguns episódios da história do Brasil chegavam a empolgar-me.
Por que mentir? E olhe que estudei essa matéria num tempo em que a gente acreditava, pra valer, nas figuras que faziam nossa história; a história pátria.
Tive bons professores de História Geral.
Frei Albino Poppemberg, por exemplo. Devo a esse iluminado e saudoso franciscano alemão, o que de melhor e mais bonito aprendi sobre os troianos e os gauleses; sobre os gregos e os romanos.
Com seu estímulo, atravessei noites, várias noites, estudando as conquistas das legiões romanas; as guerras gálicas ("De Bello Gallico"); e as famosas guerras púnicas.
E não poupava aplausos aos feitos bélicos de Cáio Júlio César; à coragem do chefe gaulês Vercingétorix; e a ousadia do cartaginês Aníbal, o herói do Rio Pó, considerado o maior gênio militar da antiguidade.
Mas uma guerra - mais do que todas as outras - me encantava: a guerra de Tróia. Encanto que se renovava a cada aula do pícnico frei Albino, um mestre em criar, nos seus seminaristas, um exagerado "amor" pelas peripécias belicosas greco-romanas.
O embate entre gregos e troianos - acreditem se quiserem - me fez poeta por um momento!
Pois é. Escrevi, em uma folha de caderno, terminada a aula, versos para Helena de Tróia.
Versos tão fraquinhos, mixurucas, que não senti remorso ao jogá-los na lata do lixo. Helena não merecia um "poema" pobre na rima e ridículo no conteúdo.
Muito jovem, e, como tal, eu podia tudo; até ser poeta. Mas Érato, a musa grega da poesia amorosa, protegendo-me, não me deixou ir além do Poema para Helena.
Confirmava-se, mais uma vez, a conhecida expressão latina segundo a qual, "Nascuntur poetae, fiunt oratores".
Eu não nascera poeta...
Arriscava-me a tanto, porque acreditava, cegamente, no que meus professores de História me contavam sobre a rainha grega, ou seja, que Helena traíra Menelau, e fugira com seu amante, o príncipe troiano Páris.
E que a traição e a fuga teriam provocado uma guerra entre Tróia e a Grécia, conflito descrito, com beleza helênica, por Homero, na imortal Ilíada.
Por isso, foi enorme minha decepção quando, um dia, faz algumas décadas, os livros me revelaram que a guerra de Tróia não teria acontecido; e que Helena, nascida "de um ovo de cisne", não passava de uma doce figura mitológica.
No seu livro, Lendas, Mitos e Mentiras da História do Mundo, que acabo de ler, o escritor Richard Shenkman tece, sobre esse assunto, um frio comentário.
Dizendo-se estribado em pesquisas sérias, Shenkman reforça a tese, afirmando que sobre a guerra de Tróia, "tudo que temos é um poema sobre uma guerra que provavelmente nunca aconteceu, escrito por um homem que pode não ter existido".
E sobre Homero: "Ninguém sabe quem era ele, onde ele viveu e se realmente existiu." E se existiu, conclui o escritor: "Viveu no século VIII ou IX a.C., cerca de quatro séculos, portanto, depois da guerra que descreveu".
A notícia de que Helena de Tróia nunca teria existido, mexeu comigo. Recebi-a me lembrando, com saudade, do quanto cultivara, na minha imaginação de mancebo imberbe, sua linda imagem.
Atrevendo-me, como afirmei, a escrever um poema cantando seu donaire e ressaltando sua coragem de pôr na testa do poderoso Menalau um histórico par de chifres...
Mas, apesar do que, anos a fio, tenho ouvido dos pesquisadores, mantenho-me naquela de continuar "acreditando" - serei eu um imbecil? - que Helena de Tróia existiu; e que ela teve um caso com o príncipe Páris, deixando Menelau, seu maridão, chupando o dedo...
E, finalmente, que por causa de tudo isso, houve uma guerra, a guerra de Tróia.
Mas se é tudo lorota?
São dessas mentirinhas que eu gosto...