Destroços

Nem sempre fui assim, tão ingênua. Aos oito anos tinha mais malícia que muito adulto, farejava a maldade a kilômetros. É, não se precisa de tamanho para perceber os "deslizes" do mundo. Tinha tato e nunca vacilava na hora de agir. Era sagaz e me movia impulsionada pela coragem e espontaneidade características de minha tenra idade. Nada passava impune ao meu aguçadíssimo senso crítico. Sim, era mais esperta do que muito marmancho por aí. Sei que conhecendo-me hoje, lendo-me agora nesse momento tão meia boca, para não dizer medíocre parece mesmo difícil de acreditar. Tudo bem, pois às vezes até mesmo eu duvido de que o meu passado tenha sido meu.

Sou a criança prodígio que deu errado. O ser que nasceu completo e se deteriorou no processo que deveria ser de desenvolvimento. Sou agora quase nada do que costumava ser.

Duvidas quando menciono a brilhante criança que fui? É, eu também. Cresci tão rápido que nem ao menos tive tempo de sentir medo. Tudo era muito natural. Até mesmo a cara de espanto dos adultos impressionados, era natural. Meus pais exibindo sua inteligência rara como troféu, era natural.

Mas a questão é que eu não era adulta o tempo todo. Até mesmo os mais pé no chão se alienam na fantasia quando podem, e afinal eu era apenas uma criança. O que nem sempre meu pai estava disposto a entender. Depois de um tempo ele parecia ter esquecido a minha verdadeira idade. Eu era esperta demais, inteligente demais para certos tipos de atitudes infantis. Minha mãe discordava, mas quem se importa com a opinião de alguém tão submisso a ponto de se anular diante da vida ou de qualquer pessoa?

Foi na minha adolescência que meu pai começou a ver todos os seus sonhos desmoronarem. Passei muito rápido de garota prodígio com futuro promissor a senhorita problema. Antes de perder seu longo embate contra um câncer de próstata escreveu-me uma longa carta elencando as inúmeras decepções causadas por mim. Na época nada tive a dizer. Queria evitar o confronto. Ou provocá-lo com o meu silêncio, pois não havia remorsos ou qualquer tipo de arrependimento. Esquivei-me o quanto pude. Não havia culpa em mim. Não era eu o poder corrosivo agindo sobre seu corpo. Mas e ele? Poderia declarar-se inocente diante da retumbante oca que habitava o meu ser?

Dominique Gasparin
Enviado por Dominique Gasparin em 24/05/2009
Reeditado em 07/09/2009
Código do texto: T1612617