Amenidades

Ah como é bom pensar um pouco nas amenidades da vida... Depois de um estafante dia poder dar umas boas gargalhadas com algumas ironias, coisas engraçadas, e d’outras de somente serem tolas, poder delas rir solto, sorrir suave.

Mesmo com as terríveis taciturnidades as quais abatem o mundo, como a fome, o silencio dos bons, as mortes ainda na juventude, ainda sim é relaxante poder se sentar numa boa cadeira e poder repousar a cabeça terna, sem nenhuma culpa, sem nenhuma imoralidade, e simplesmente descançar, do fastidioso dia passado.

Até em horas inesperadas, aquele cujo esteja sempre pronto ao sorriso leve, se diverte com acontecimentos débeis, sendo-os mais ínfimos e tolos o possível – como assistir a uma cantada. N’outras eras chamava-se galanteio, gracejo, e o nome o qual estiver a aparecer na cabeça do escritor romântico, ou na manceba pueril; deem o nome que o quiser, os fatos continuam os mesmos. Os mesmos olhares insinuosos, os antigos e sempre em vigor lábios em sorriso lascivo, as piscadelas, as mãos bobas – Ah as mãos bobas! – e por ai vai. Porem as coisas nem sempre assim correm. Às vezes as moçoilas se fazem difíceis, por horas impossíveis e em outras pior, indiferentes; os homens é que são pobres; coitados é o que somos, apesar de tudo dando errado, continuamos no erro, na insistência, no ridículo. E é ai que mora a comédia.

Não recordo-me bem a hora, nem em que ano, deixemos que ele seja o qual quiser, o qual o leitor escolher, deixemos; poderia ser no século passado, ou num futuro longínquo, o sucesso continuaria deste jeito, com os eternos personagens... Andava eu lépido e fagueiro na rua. Imaginemos um transeunte com cara de parvo, uma cara idiota, sorrindo do não sei o que, alegre não se sabe o porquê. Enfim, andava eu quando vi uma mulher linda trespassando, usando um vestido vermelho, um colírio para os meus olhos.

Obviamente não tinha, e nem tenho chances com uma mulher daquele perfil, um ser de corpo perfeito. Por isso segui andando com o rosto alegre – não sabendo o motivo de minha felicidade ingênua – até o momento em que percebi o que se passava. Ela piscava para um homem no outro lado da rua, ele de calça, alto e estranhamente com um sorvete na mão. Faziam todo o tipo de gestos, os semblantes ora tênues, ora graves, se falavam com o corpo apesar da distancia – como disse, do outro lado da rua. Até que ele, fazendo a cara de conquistador mexicano, se achando o próprio Carlos Daniel, me cai, derruba o sorvete batendo a cara no chão. Em choque, a linda mulher desviou o olhar instantaneamente e assobiou, apontando talvez o dedo para o céu, ouvindo o sibilar dos pássaros...

E eu? Eu ri feito um louco. Bom, talvez a história não seja de fato assim, quem sabe ela não foi ir ter com ele, ajuda-lo a levantar, ou poderia ter sido tudo ao contrario enfim; ela com o sorvete, caindo feito uma jaca. E daí? O que importa? Como disse o ano corre solto, e o riso vai junto com ele.