Morreu a voz da velha Caetana
Pra quem não sabe, a “velha Caetana” é o nome que os nordestinos do interior dão à morte. Pois a “indesejada das gentes” colheu o velho Bebé, o sacristão que passou mais de meio século anunciando a morte dos outros. Sim, porque em Itabaiana ninguém poderia dizer que morreu se Bebé não cumprisse o “doloroso dever” de anunciar o óbito no serviço de som da igreja.
Bebé encontrou o repouso depois de longa doença, acometido que foi da síndrome da aposentadoria. Explico: dizem que o sujeito que se aposenta e fica em casa sem fazer nada, morre depressa. Mesmo aposentado, Bebé não quis se afastar dos seus afazeres de sacristão nem abrir mão das gorjetas que recebia para anunciar falecimentos. Ainda outro dia ouvi comentários de alguns amigos de Itabaiana sobre a falta que fazia Bebé, desde que o padre resolveu mandá-lo definitivamente para casa e ele não soube viver longe do seu universo de santos, cantochões, defuntos e velas. Enfim se confirmou a efemeridade da vida para um homem que passou sua existência anunciando a morte.
Merece, portanto, o nosso Bebé esse anúncio público, se não na difusora na igreja, mas nesse espaço cibernético. Presto uma homenagem ao homem tranqüilo e afetuoso que foi o “Bebé da Igreja”. A jornalista itabaianense Kátia Rogéria escreveu bela crônica sobre o nosso sacristão no jornal literário Itabaiana Hoje, de Geraldo Almeida. Saiu na edição de setembro de 2007, onde pincei alguns trechos:
“Ele não é padre e, afeito aos prazeres terrenos, ainda toma “umas” de vez em quando. Mas na história da Igreja Matriz de Itabaiana certamente não houve alguém mais dedicado. Ainda criança, quando nem completara os dez anos de idade, Evandy Alves Cavalcante, conhecido por todos como Bebé, começou a ajudar na igreja. Hoje, aos 70 anos, o mesmo templo católico preenche seus dias noites.
E o tempo segue unindo Bebé e a belíssima Igreja Matriz, como se já não fossem passados mais de 60 anos de dedicação. Ainda em 1946, quando as missas ainda eram celebradas em latim, Bebé começou a colaborar na Igreja. “Me lembro bem que o padre celebrava a missa de costas para os fiéis e lia o Evangelho em latim”, ele recorda.
O garoto que nasceu numa família de quatro irmãos – sendo ele o mais velho e único homem – no dia 13 de fevereiro de 1937, sentia-se realizado quando participava de uma missa, um casamento ou batizado. “A primeira missa celebrada pelo Padre Martinho, itabaianense, filho de Idalício Fonseca, foi uma das celebrações mais emocionantes que já vi”, lembra Bebé.”
De Bebé tenho uma lembrança hilária. O Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana estava ensaiando na Igreja, para a encenação da Paixão de Cristo. Bebé ficava pacientemente todas as noites até tarde, esperando para fechar o templo depois do ensaio. Uma noite, alguns atores do grupo fizeram uma brincadeira sem graça: enfiaram piolas de cigarros nas bocas dos santos. De manhã, o padre Pedro ficou estarrecido ao ver suas imagens exibindo bagas de cigarros entre os lábios sagrados, e proibiu terminantemente a continuidade dos ensaios na Igreja, mesmo porque algum engraçado havia tomado o vinho da missa, usando hóstias como tira-gosto. Mas o nosso velho Bebé de guerra arrumou um jeito de abrir a Igreja quando o padre ia dormir, para o grupo ensaiar a Paixão de Cristo, que foi a mais bem elaborada de todos os tempos. Como prêmio, a gente se cotizava para pagar uma meiota para o velho sacristão. De fato, nunca houve um sacristão mais raparigueiro e caneiro do que Bebé.
Que Deus o tenha, e que São Pedro arrume uma difusora pra ele anunciar os que chegam.