SENHORITA NÃO! SEM HORA!

_ É crônico! Disse o marido. Uma doença! Coisa para internação! Não tem uma única vez que esta mulher não chegue atrasada. E o pior, não tem uma única vez que ela não me atrase!

Coisa de primeiro marido ela pensava. Coisa de homem enjoado da mulher. Sem tesão! Enfeitiçado pela loirinha burra, cheia de bundas e bocas do escritório.

Vinha agora botar a culpa nela! Até contou pro juiz o episódio do funeral da tia Augusta, em que os dois haviam chegado na hora que tampa do túmulo fez TUM! E lacrou a falecida sem que ele sequer tivesse pedido-lhe a benção pela última vez.

E lá é coisa de gente normal pedir a benção pra defunto? Depois ela é que era caso de internação, pois sim!

Após os papéis assinados Luzia se sentia no céu. Ninguém para lhe perguntar as horas. Ninguém para lhe lembrar as horas. Ninguém lhe servindo de cronômetro.

Mas, o que Luzia não sabia é que a paixão também não tem hora. Ela chega quando bem lhe convier. Sem ninguém mandar e muito menos esperar.

Luzia se encantou por Luiz.

Obra do astral ela pensou. Ele de gêmeos, ela de Áries. Ar dando vida ao fogo. A duplicidade da luz nos nomes... Aquilo foi uma explosão! E em menos de um mês moravam juntos.

Em menos de um mês Luzia adquiriu mais do que um cronômetro, um relógio ambulante. Luiz havia se transformado num mostrador digital, trocando de minuto em minuto o tempo de seus atrasos.

Coisa de segundo marido, ela pensava. Coisa de homem arrependido! De nariz torcido. De olho comprido para moreninha do 506. Sabidinha como ela só!

E o safado teve a petulância de atribuir-lhe toda a culpa. Só porque na noite que iam ao cinema ela demorou tanto no chuveiro, que o contador de energia explodiu e o cachorro e a vaquinha ficaram presos - uma hora sozinhos - no escurinho do elevador.

Quando a energia voltou e a porta se abriu de repente, Luzia não sabia onde começa o Luiz e terminava a bisca da vizinha.

_ Tá pensando que isto aqui é a Arca de Noé, meu filho!

Sem papéis para assinar, Luzia chegou ao céu mais rápido desta vez. Ninguém para lhe perguntar as horas. Ninguém para lhe lembrar as horas. Tratou de desativar todos os relógios da casa. Do celular ao microondas.

Luzia estava livre novamente. Se sofria ou não da doença do atraso, isto era só entre ela e o tempo.

E se, porventura, alguém se atrevesse a perguntar se viveria sozinha para sempre, como uma eterna senhorita. Ela respondia na hora:

_ Tenho luz até no nome. Sou ariana de fogo. Posso levar alguém à marte. Mas jamais deixarei de ser SEM HORA!

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 21/05/2009
Reeditado em 21/05/2009
Código do texto: T1606787