NORTHEAST LAND: O Nascimento de um Vagamundo
Não conto minhas lembranças em datas, conto minhas memórias em canções.
Acredite: o homem quando criou a música, jamais imaginou que faria também uma máquina do tempo. Nem preciso ver fotografias, filmagens ou as fofocas da minha tia; para recordar os melhores momentos da minha vida, basta apenas ouvir certas canções...
Esses dias, estava eu, mexendo em meus baús musicais, quando uma canção pulou do estéreo:
“Todo dia quando eu pego a estrada
Quase sempre é madrugada
E o meu amor aumenta mais
Porque eu penso nela no caminho
Imagino seu carinho
E todo o bem que ela me faz”
Era " O Caminhoneiro" do Roberto Carlos e automaticamente fui jogado de volta no tempo, ao sabor do vento e das lembranças.
A canção prosseguiu:
“Eu sei
Tô correndo ao encontro dela
Coração tá disparado
Mas eu ando com cuidado
Não me arrisco na banguela
Eu sei
Todo dia nessa estrada
No volante eu penso nela
Já pintei no pára-choque
Um coração e o nome dela”
E fui lembrando,catando memórias e recordando...
Eu tinha quase onze anos, minha mãe estava ao meu lado, junto com a minha irmã Cristina, que era um tantim de tamanho. Éramos todos formiguinhas cruzando o Rio São Francisco numa folha, entre a Bahia e Pernambuco, a balsa carregava o nosso ônibus com destino a Cajazeiras, na Paraíba, onde moravam meus avós e já estavam morando meus outros dois irmãos, Zé Tabaco e Chico Tampa, ou melhor, Rivanildo e Dairton.
“ Eu sei, tô correndo ao encontro dela...” cantava Roberto e o vento ia soprando o barco. Poderíamos ter ido pela ponte, de acordo com o homem que conversa com a minha mãe, mas a ponte que ligava Juazeiro, na Bahia, à Petrolina em Juazeiro, já em Pernambuco, estava bloqueada a dias, por causa de uma greve, que nos obrigou a tomar a balsa. Tanto melhor, depois de dois dias dentro do ônibus da empresa “lata de sardinha”, sentir a brisa do rio, era um banho de frescor, naquele calor nordestino de meio dia.
Olhando o Velho Chico, percebi coisas que eu nunca tinha visto em Brasília: um barco de pescadores indo e vindo, aves voando e mergulhando no rio, peixes que pulavam nos acenando e Luiz Gonzaga, surgindo ao meu lado, com a sua sanfona, óculos escuros e a sanfona, cantando:
“Na margem do São Francisco nasceu a beleza
E a natureza ela conservou
Jesus abençoou com a sua mão divina
Pra não morrer de saudade vou voltar pra Petrolina
Do outro lado do rio tem uma cidade
E na minha mocidade eu visitava todo dia
Atravessava a ponte mas, que alegria!
Chegava em Juazeiro, Juazeiro da Bahia
Ainda me lembro que nos tempos de criança, esquisita era a carranca e o apito do trem, mas, achava lindo quando a ponte levantava e o vapor passava num gostoso vai e vem
Petrolina, Juazeiro, Juazeiro, Petrolina
Todas as duas eu acho uma coisa linda
Eu gosto de Juazeiro, e adoro Petrolina “
Ao som do Gonzagão e da canção Juazeiro-Petrolina fomos cruzando o nordeste, de barco, de ônibus, gostaria de poder dizer avião ou hélicoptero; mas preciso ser realista com você, meu caro leitor, eu viajava mesmo num ônibus capenga, com gente fumando, comendo farofa com frango, ouvindo música alta, arrotando nos corredores; gente que falava alto, que dizia que nunca mais voltaria para o sul do país, “aquilo lá é terra de gente, terra mesmo boa é a nossa”, diziam eles, e de repente, paravam a ladainha para reclamar: “que fedô é esse?”.
Era apenas o banheiro do ônibus, com uma fragrância que permaneceu a viagem inteira, perfumando o nosso ar.
Eu estava chegando as Terras do Norte - The Northeast Land - e minha vida mudaria para sempre.