Santo II - Reformando o rancho...

Santo II - Reformando o rancho...

Anos atrás, Santo ( que apresentei na crônica "O Santo I - no show do ídolo Belchior") inventou, junto com um amigo, uma nova onda, na terrinha - rancho em estilo sertanejo, à beira do ribeirão dos Moleques, na zona rural, para recreação, estendida, esta, como reuniões para pantagruélicos banquetes e porres à base de comida caipira (frito, caldo, assado e moqueca de peixe, frango frito, ensopado e assado e carnes preparadas dos mais diversos jeitos), acompanhada de cerveja e aquela pinguinha insidiosa.

A idéia veio anos atrás, quando a turma se juntava e, gostava de ir para as sedes de fazendas, na zona rural, para fazer uma zona, que acabava incomodando os moradores da região. Santo teve a idéia e um amigo filho de um fazendeiro local, cedeu o lugar. Abriram uma picada na mata ciliar até chegar à beira do ribeirão dos Moleques (onde a nossa geração celebrava e a infância e a adolescência), limparam a área, para erigir ali um prédio destinado ao abrigo e refúgio dos cansados do trabalho puxado ou da vidinha pacata do interior.

Ele envolveu nisso todos os amigos que podiam , seja no oferecimento de mão-de-obra, no dia do mutirão, ou na doação de materiais -de um, pediu madeiras usadas, de outro, telhas comuns (que eram usadas na cobertura dos ranchos de taipa, habitados por nossos ancestrais, há duas gerações atrás), de outro, bambu para fazer a cobertura de outro e, assim, foi.

O rancho tinha só o madeiramento de escora e cobertura. Meia parede, só do lado que dava para o barranco do ribeirão (proteção contra mergulhos inesperados daqueles que porventura tivessem mergulhado na bebedeira com muita força). Em todas as laterais, bancos de tábua. Uma parte do rancho, delimitada como área de cozinha - balcão de tábuas em forma de "L" e, claro, o fogão caipira no estilo clássico, chapa de ferro de três bocas. Como utensílios de cozinha, panelas e colheres de ferro, todas doadas, além de duas frigideiras de ferro, feitas a partir de lâminas de arado usadas. Fornecimento de água, na base do balde e carretilha. Em baixo do telhado, coisas antigas, que a turma ia trazendo de presente: candeias, lâmpadas a querosene, ferramentas antigas e, coisas assim - acima do fogão, rancho pendurou uma tabuleta que dizia, bem a propósito: "bem-vindo seja, mas traga cerveja". O problema do vau, que impedia a chegada com carro, foi resolvido logo com uns caminhões de cascalho. Pronto!, não faltava mais nada. No último dia dos trabalhos, Santo batizou o lugar de "rancho do pobre alegre".

O lugar virou, rapidamente, um sucesso. Todo queria ir passar uma tarde lá, jogando conversa fora, ouvindo ele tirar umas músicas no violão, comer feito um condenado e, claro, encher a cara, até onde a resistência etílica podia. Mas, não demorou muito e, a coisa começou a ficar complicada. Era gente demais indo e vindo de carro, dentro da fazenda. Algumas pessoas começaram também, a abusar, ligando o som auto-motivo no máximo, noite afora ou, partindo pra algazarra - entrementes, o sócio de rancho, filho do fazendeiro, havia mudado da terrinha pra Goiânia.

Um dia, o Seu Davi, dono das terras onde ficava o rancho chegou de mansinho no boteco do rancheiro e chamou ele pra uma conversa, cheia de jeito, mas direta: "Olha Santo, aquele rancho tá me dando um trabalho danado. O povo assusta o gado no pasto buzinando os carros e correndo demais, o peão reclama que não tem sossego com a barulheira de noite e, tem vizinho reclamando que o povo que vai lá entra nas terras do outro lado, a torto e direito... Eu vim aqui pra ver se a gente entra num acordo: vamos desmanchar aquele rancho, Santo..."

Ele ouviu o fazendeiro em silêncio e sem interromper. Quando chegou a sua vez de falar, os olhos se encheram d'água. Depois de controlar a emoção, disse com a voz embargada e humilde: "seu Davi, o senhor pode fazer o que quiser, pois a terra lhe pertence. Mas, olha, seo Davi, se o senhor acabar com o rancho, vai acabar comigo. Olha, seo Davi, eu não tenho dinheiro pra ir para o rio de Janeiro, Santos, pra dizer a verdade, nem pra ir pra Caldas Novas, com a família. Aquele rancho, que fica dentro das terras do senhor é, o meu passatempo, minha alegria de viver,!" e, não conseguiu mais falar e, teve que controlar e enxugar as lágrimas. Depois, ficou pigarreando, nervoso e, esperando a sentença fatal.

Seo Davi, então, levou a mão no chapéu, coçou o queixo e, ficou calado por uns bons segundos, analisando a situação embaraçosa, olhando para o ontem. O outro, não conseguia se mover e, ficou ali, sentado diante do reivindicante, de cabeça baixa, ainda pigarreando.

Pra resolver a situação, o fazendeiro disse: "Olha, Santo, então, tá bom, pode deixar o rancho lá - sê gosta demais, de lá, né? Mas, olha, vou te pedir uma coisa que, sê tem que fazer pra mim. Organiza aquilo lá, pra nós. Do jeito que tá não pode ficar..." e, entrou na pick-up nova e foi embora.

Santo não perdeu tempo. Organizou a bagunça, pediu autorização para abrir uma porteira na lateral da estrada, que garantiu, ia ficar sempre fechada na chave, pediu mais cascalho pra aterrar o vau e, até, veja só, triplicou a área cercada do rancho (que virou estacionamento), plantou árvores nobres e fruteiras e, fez até um canteiro de horta...

Difícil, um dia à tarde, que não tenha gente visitando o "rancho do pobre alegre" - de malandros a deputado, pra descansar das correrias e, aproveitar uns momentos mais perto da natureza.

Santo, está sempre na comitiva, e, antes de que alguém inicie a farra, distribui a cada um dos visitantes, com autoridade de "dono", uma das tarefas relativas ao asseio e conservação do lugar - varrer o chão batido, limpar o fogão, puxar água para o depósito, molhar as plantas da hortinha, iniciar os trâmites de cozinheiro (o que se come nos ranchos é caso para um texto próprio)... Mas, passada essa fase, ele pega o violão e, a reunião não tem hora para terminar. E tome mpb, "Champagne" e música caipira antiga, bem pontilhada nas cordas... Mas, tudo certinho, organizado, do jeito que o seu Davi pediu...

(Goiânia, GYN, Santo, Rancho do Pobre Alegre, cantor Belchior, Pequeno Mapa do Tempo, casa de pau-a-pique, serenata, música sertaneja, "Champagne")