As Estações de Silvinha

As Estações de Silvinha

suzabarbi@hotmail.com

Silvinha separou-se em plena Primavera.

Deixou para o ex quase tudo que tinha dentro do apartamento.

Menos as enormes orquídeas floridas.

No mais, não queria nada.

Vida nova incluía tudo novo.

E Silvinha foi pensar na vida nova em Cuba.

Tomando mojitos.

Desceu na cidade de Fidel levando pouca bagagem e muito livro.

Achou que passaria duas semanas lendo, caminhando e repensando suas emoções.

Mal sabia ela que emoção era o que mais teria naquela viagem.

Depois de um passeio que incluía um tour pelo famoso bairro onde funcionava o Buena Vista Social Club, Silvinha pegou uma charrete, condução muito charmosa e típica da ilha e bateu de volta para o hotel.

Estava exausta.

Com calor.

Queria um banho e um drink bem gelado.

Ao entrar em seu quarto, deu de cara com um rapaz dos seus vinte e poucos anos.

Levou o maior susto.

Ele um maior ainda.

Gesticulando muito, o rapaz explicou que era o camareiro do hotel. Aquele quarto fazia parte de suas funções diárias.

Silvinha prestou atenção no moço.

Pela camiseta branca colada no corpo, podia ver que ele era um belo exemplar da raça latina.

Moreno jambo.

E quando sorriu, os dentes mais pareciam propaganda de creme dental.

Silvinha caprichou na gorjeta.

E passou a fomentar planos para ele...

À noite, depois de três mojitos no bar do hotel, Silvinha subiu meio tonta.

Tomou outro banho e não teve a menor dúvida de ligar para o serviço de quarto.

Queria saber se o cubaninho estava de serviço.

E Juan Montalban estava.

Mais do que depressa, Silvinha informou que a roupa de cama havia se sujado.

Em menos de cinco minutos, Juan batia à porta.

O verão prometia...

Silvinha passou a manhã seguinte na cama.

Jamais conhecera amante tão “caliente”.

Ligou para a amiga no Rio de Janeiro:

- Você não pode imaginar... é uma coisa assim, entende?...de pele, saca?... de toque...é uma lou-cu-ra!!!

A amiga não sacou.

- Silvinha, pelamordedeus vê se não vai entrar em confusão, heim?

- Em confusão eu estava casada. Agora estou nas nuvens! Bem dizem que os latinos são os melhores amantes do mundo!

E assim se passou uma semana.

Cuba para Silvinha se resumia a uma cama king de hotel.

E foi depois de uma dessas “sessões de cama king”, digamos assim, que Silvinha resolveu: ia importar o cubano!

Levaria Juan Montalban com ela para o Rio de Janeiro.

Os amigos, quando souberam, queriam interditar Silvinha.

Onde já se viu importar um cubano!

Se ela fizer isso, será responsável por tudo que o menino fizer no Brasil.

E se ele for um aproveitador?

Nada intimidou Silvinha.

Depois de muito andar pelas embaixadas, conseguiu toda a papelada para a exportação/importação do cubano.

Ela se responsabilizaria por ele no Brasil.

Já no vôo, Silvinha falou de todos os perigos que uma cidade como o Rio de Janeiro poderia ter para um rapaz como ele.

O objetivo era assustar mesmo.

Quanto mais falava, mais pintava de feio o diabo.

Juan Montalban era o rosto do pavor.

Jurou não sair do apartamento.

Rua só com ela.

Todos os dias Silvinha voltava correndo do serviço para casa.

Levava espumante, morangos, chocolates.

A casa era um parque de prazer.

Juan se comportava muito bem: Silvinha não tinha notícias dele em lugar algum.

A seu favor, contava com uma e-nor-me televisão de plasma.

O cubaninho se deliciava: em seu país televisão não era permitida.

Ainda mais daquele tamanhão!

O outono seria a mais quente das estações.

Mas nem tudo eram espumantes com morangos...

Um dia Silvinha chegou em casa e Juan estava dormindo.

Não ligou.

Ele tinha trabalhado muito (e bem) durante toda a madrugada.

O fato se repetiu no dia seguinte.

Silvinha estranhou.

O que poderia um “menino” de vinte e poucos anos ter para estar tão cansado?

Levou-o ao médico quando, no terceiro dia, Juan se mostrou muito mais interessado nos quitutes trazidos por ela do que na camisola vermelha que ela vestia.

O menino não tinha nada.

Saúde de ferro.

Preocupada, contou o caso à amiga:

- Ora Silvinha, não tem com o quê se preocupar! Todo mundo precisa de um tempo. Até um menino de vinte e poucos anos.

Saia com ele. Leve-o para comer uma pizza, ver gente. Quem sabe ele não melhora?

Assim Silvinha fez.

Nada adiantou.

Nem pizza, nem gente, nem praia.

Nada!

Juan Montalban continuava abatido, com olheiras.

E pior: cansado!

Naquela tarde, ao chegar em casa, Silvinha lembrou-se que era dia de pagar a conta da banca de revista.

Pagava por mês.

Hábito adquirido com o ex.

Antes de fazê-lo, foi até o quarto para se certificar de Juan estar bem.

Estava.

Muito bem!

Dormindo.

Como sempre!

Desceu furiosa os quatro andares com a carteira na mão.

Seu Manoel, um português com cara de bolacha e muito sorridente, estendeu-lhe duas folhas de caderno.

Duas?

Silvinha estranhou.

Nunca sua conta tinha passado de meia folha!

Olhou para o português e pode ver os olhinhos sem vergonha cravados em suas pernas.

Silvinha pensou que estava na hora de mudar de banca!

Aquele velho estava ficando gagá.

E tarado.

Quando deixou de prestar atenção no português e colocou tento na conta, quase caiu para trás.

Seu Manoel deu uma risadinha maldosa e soltou:

- Tem se divertido muito, não tem D. Sílvia?

Silvinha não acreditou.

Duas folhas preenchidas frente e verso.

De nomes de filmes pornôs.

Comprados a preços extorsivos!

Fuzilou o rechonchudo e risonho português com o olhar.

Ela ia matar aquele...aquele...aquele...

Cubano indecente!

- Onde está?

- Onde está o quê, Silvinha?

- O filmes! Dá cá os filmes!

- Mas você não falou nada de não poder ver filmes!

- Mas agora estou falando! Dá cá!

- Eu posso te pagar...

- Pagar? Pagar com o que? Dá cá!

E falando isso Silvinha partiu pra cima de Juan Montalban.

Ele não teve outra alternativa senão levantar o colchão da king.

Mais de sessenta caixinhas de devedês estavam espalhadas sobre o estrado.

A última coisa que Silvinha leu foi: “Bombeiros em Ação”.

Partiu com travesseiro e tudo para cima do cubano que correu e se trancou no banheiro.

- Eu vou te deportar! Eu vou te deportar!

E, sumariamente, o cubano foi deportado.

Tempos depois, Silvinha resolveu dar uma faxina na casa e na vida.

Reciclar coisas era o que precisava para sair do marasmo e partir para outra.

Bem no fundo do armário, na parte de cima, aonde sua mão jamais chegaria sem a ajuda de uma escada, achou um envelope pardo.

Estranho aquilo.

Não se lembrava de ter guardado nada em um envelope pardo.

Eram fotos.

Nada como ver fotos antigas!

Mas tomou o maior susto.

E ficou horrorizada quando identificou Juan Montalban e a vizinha do 405.

Em posições nada sociais.

Na sua cama king!!!

Logo ela que namorava um homem que fazia a mulherada perder o fôlego!

Respirou no saco três vezes para ver se a raiva passava.

Quando passou, vestiu sua melhor roupa e desceu com o envelope na mão.

Na portaria do prédio, entregou a encomenda para o porteiro. Avisou tratar-se de documento muito urgente e sigiloso.

Só podia ser entregue para o senhor Leonardo, namorado da moradora do 405.

Saiu dali e foi tomar um chá na Confeitaria Colombo.

Divertindo em se olhar em tantos espelhos, nem percebeu quando um bonito senhor grisalho chegou até a sua mesa e, com um acentuado sotaque italiano, perguntou-lhe se podia sentar.

- Claro! Desde que você me ofereça um camarão empanado.

Silvinha sempre a-do-rou o inverno.

Desafio Literário proposto por :

Helena Frenzel

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Victor Meloni

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Maith

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Flávio de Souza

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