Não se Levante. (Maria Mal-Amada)

Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada

de Lorena de Macedo

Não se incomode comigo. Você sabe que não vou ficar. Sou fruto de antidepressivos e Florais de Bach. Não se preocupe em me ceder o lugar. Sou passageira sem assento especial.

Você já me viu por aqui algumas vezes. Já me tocou quando me tornei concreta em ocasiões memoráveis. Posso ser bem real quando me deixam ser. Quente e úmida como o tempo nessa região.

Não se iluda ao me encarar com tanta satisfação. Ninguém melhor do que você para entender que não sou eterna. Trazida por comprimidos, terapias homeopáticas, reza brava ou outro subterfúgio qualquer. Costumam dizer que dinheiro não me compra. Mas eu já me vendi em troca de outras moedas.

Fazem comércio com o meu nome todos os dias. Estou em capa de revista, na vida perfeita estampada em páginas coloridas, na bula do remédio milagroso e no anúncio do terapeuta aparentemente bem qualificado para lidar comigo. Estou na letra da música que você julga brega, mas que seu vizinho adora escutar.

Estantes inteiras são dedicadas a mim. Livrarias abarrotadas de best-sellers e escritores que vivem as minhas custas. Todos falam de mim com uma segurança que me assusta. Parecem me conhecer tão bem quanto eu mesma. Alguns deles afirmam saber onde me encontrar. Revelam ao mundo o mapa do tesouro.

Sim. Sou mesmo valiosa. Tenho plena convicção de meu valor. Mas não sou duradoura porque você não me deixa durar. Não me deixa atracar no porto seguro de seu coração. Não me convida para deitar em sua cama e dormir eternamente. Não me oferece o brilho do sol que esquenta as manhãs mais frias. Não se dedica a mim nem mesmo quando estou presente.

Mas estou aqui agora. E por saber que não vou me demorar, você tenta me sugar completamente. Tenta viver plenamente o que poderia ser sentido todos os dias em poucas doses. Sem ânsia ou medo da minha partida. Sem jamais ter que se despedir de mim e encarar o azedo de tudo o que é sem-graça.

Por favor, não se levante, eu posso ir em pé. Vou me pendurar nos varais dos outros quintais para sentir o calor das roupas que ressecam sob o sol. Estirar-me no chão molhado de chuva e deixar que as folhas das árvores depenadas pela ventania grudem em mim. Depois que sentir a vida correndo em minha volta, vou embora mais uma vez.

Você pode me chamar de novo. Mas lembre-se que eu não vou ficar porque você não deixa.

Por favor, não se levante. Vou descer no próximo ponto. Vou chamar o motorista de tonto e oferecer meu ombro pro cobrador chorar. Lá fora as casas parecem pequenas e as pessoas se movem serenas como se me tivessem por perto. Você que parece tão esperta continua deserta e sem destino certo.

Fique aqui, compre um bombom. Compartilhe comigo o que há de bom. Viva como se eterna fosse a felicidade e forte a vontade de me manter aqui.

Não há mal algum em me desejar. O problema está em não saber me cultivar. Fique sentada. De cara virada para o vidro embaçado, você não vê o mundo e não me vê pendurada aqui.

Você vai perder o lugar.

Maria