À FLOR DA PELE

À FLOR DA PELE

Como a maioria dos brasileiros, tive uma infância dificil. Nascido numa favela carioca -- em cima do Túnel Velho, "nos fundos" de Copacabana -- nunca tive dinheiro para comprar roupas, bastante caras nos anos 70, com a indústria fabril insipiente no Brasil.

Daí, eu só usava camisetas baratas e calças desclassificadas adquiridas no SAARA e como calçado a popular Conga, que durava de 3 a 4 anos e apertava o dedo mindinho.

Entre as recordações que NÃO TÊM PREÇO está a camisa azul celeste de seda grossa e detalhes prateados em relevo, do tipo social, mangas compridas para se usar com abotoaduras. Raro presente de minha mãe, num dia qualquer de 1968 ou 69, acompanhado de uma caixinha de papelão recoberta de seda azul escura e com um par de abotoaduras douradas, com pedra de lazulita.

A camisa se foi há séculos, mas as abotoaduras irão comigo para o cemitério, nossa derradeira morada. De minha mãe -- falecida aos 92 anos, em julho de 2005 -- guardo mais amarguras do que satisfações. Só lamento jamais lhe ter confessado o quanto aquela camisa me fazia feliz, quando a exibia aos domingos nos programas de música clássica que a recém-fundada TV GLOBO exibia ao vivo (os "Concertos para a Juventude"!) ou nas visitas que fazia à casa de amigos.

Outro momento intensamente feliz foi quando encontrei, aos 5 anos de idade, na portinhola de nosso barraco um coelhinho de plástico cheio de balas de goma multicor. Aquele instante de prazer cravou-se-me no coração para ser eternamente lembrado. O fato virou poesia, sentido soneto a registrar dificuldades e sofrimentos, que finda assim:

Dos dramas, sonhos, só o que resiste

de mil IMAGENS (côres, cheiros, sons)

é a de um menino num barraco triste,

abraçado ao coelhinho com bombons,

provando que a felicidade existe

em locais e momentos nada bons.

Ainda sobre camisas -- pobre adora falar de roupas e comidas -- lembro-me de Marco Aurélio Vicari Sarraceni, funcionário (como eu) da MRN, na Praia do Flamengo, isto por volta de 1978/79. 'Marquinho" me doava suas camisas de griffe... recordo de uma em especial, com estampa de tigres em verde, que era mágica, tinha o dom de me transformar em príncipe, em empresário bem sucedido, em playboy italiano com uma Ferrari à porta.

De corte perfeito, a camisa grudava em meu corpo como uma segunda pele, realçando os músculos do peito juvenil e fazendo rugir os tigres enfurecidos.

Por onde andará o "Marquinho"? Morava em algum lugar do Leme na época, se não me falha a memória. Nunca lhe agradeci o milagre de transformar o favelado pobre em um cidadão feliz... E ISSO NÃO TEM PREÇO !

"NATO" AZEVEDO