Santo I - o show do ídolo Belchior no Flamboyant, em Goiânia.

Santo I - o show do ídolo Belchior no Flamboyant, em Goiânia.

Santo era um dos mais velhos da turma que descia para o poço da prainha todo dia, onde gostava de treinar golpes de capoeira na areia, enquanto a turma se ocupava do pique, na água do ribeirão dos Moleques.

Por volta dos quatorze anos, apaixonou-se pelo violão, como acontece a muitos, na adolescência. Mas, ele levou aquilo a sério, começando os estudos pelas escalas de acordes no velho "método Canhoto". Certa tarde, fomos à casa dele, pra ver como ele ia indo na coisa e ficamos abismados, quando ele executou o solo completo de "nuvem passageira" do Guilherme de Aquino - música que cantou no festival na cidade, uns meses depois.

Depois do festival, Santo foi convidado para fazer teste na Banda Sons Astrais, da cidade vizinha (no tempo da minha adolescência, todas as festas da cidade eram animadas por bandas. As mais fracas, pelas bandas da cidade ou menos famosas. A festa do padroeiro da cidade, entretanto chegava a ter duas bandas consagradas em Goiânia e região, tocando em salões diferentes).

Logo, começou a acompanhar a banda, nas festas das cidades vizinhas e, acabou se consolidando como o guitarra-solo dela (rapaz, o cara que tocava a guitarra-solo numa banda de baile, era "o" cara!).

Quando deixou o grupo, ele recomeçou como pequeno comerciante, mas fazia shows na Terrinha e pela região, na base do violão, voz e percussão (levava com ele pra fazer a percussão o Uélito – que já apresentei na crônica anterior.

A essa altura, todavia, já não tinha a disciplina, nem a determinação dos velhos tempos - o repertório encurtou e, os shows eram meio imprevisíveis, dependendo de sua animação alcoólica.

Sempre que havia um churrasco, uma reunião de amigos, entretanto, chegava com o violão e, mandava ver, tocando música sertaneja, "Champangne" - aquela, do Pepino de Capri - sempre a pedidos e, MPB (onde entram as músicas do Belchior, de quem tornou-se fã inveterado, quando virou profissional da música) e, lascando no microfone algumas das temidas tiradas impublicáveis (que, são um caso à parte, feito as histórias do Adãozinho).

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Alguns anos atrás, fui a um Shopping de Goiânia, para assistir a um show do Belchior, realizado dentro de seu pátio interno. O lugar não cabia mais ninguém. O cantor entrou e já começou com "Rapaz latino-americano". Pronto: a platéia (gente de todas as idades, pais e filhos, juntos e, grupos de jovens das mais diferentes tribos), entrou em transe e começou a cantar junto com ele.

Lá pela terceira canção, encontrei uns amigos da Terrinha e, foi aquela alegria de cúmplices do criminoso ato de ter sido adolescentes e metidos a rebeldes, um dia. Me disseram que Santo também tinha vindo, mas não entramos muito nos detalhes, com a atenção nas músicas. O show chegou ao fim, elétrico, apoteótico. Aplausos comovidos. E gritos, pedindo bis.

De repente, avistei o cara, atravessando no meio da platéia, vindo para a lateral, com um violão sobre a cabeça. Gritamos pra chamar sua atenção e de lá, ele sacudia o violão, vibrava e gritava, enquanto a turma repetia, também aos gritos: "ele conseguiu! Ele conseguiu!", se confraternizando.

Quando chegou até nós, Santo exibia o violão e, gritava, afogueado e triunfante: "Não falei? Não falei que conseguia? Olha aqui, o autógrafo do Belchior no meu violão! Ninguém tem, só eu! Só eu...", quase não acreditando no troféu que acabara de conquistar.

Muito curioso, perguntei como é que ele conseguiu entrar com o violão e ir até o camarim do cantor, passando pela segurança do shopping. Foi aí que ele me contou que, chegando na porta lateral do shopping, informou ao segurança que o violão era do cantor e que ele estava encarregado de levá-lo correndo, ao camarim. Na corrente de isolamento dos bastidores, repetiu a história, até que chegou na porta do camarim onde plantou-se até o fim do show, quando encontrou o ídolo e estendeu o violão, com a voz embarga de emoção e os olhos marejados...

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O repertório de Santo não para de encurtar. Mas, é rara a vez em que ele vai a uma festa na terrinha e não toca "comentários a respeito de John", "divina comédia humana" e, "medo de avião - I" sem dó nem piedade de uma gente que já tem o rosto escorificado de tempo, poeira e experiências, honrando o velho ídolo - nada mal para quem começou tocando "nuvem passageira"...

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O mês das minhas férias do trabalho - julho - coincidem com mês de aniversário do Santo. Ele reúne os amigos em seu rancho (que tem uma história bem interessante, também) e faz uma festa "daquelas", de rachar. Toca, canta e, apronta.

Sempre compareço e levo o meu abandonado violão, a pedido. O dono da festa me pega para fazer a base de acordes, para tirar uns solos compridos e bem construídos, em seu violão Yamaha, autografado pelo Belchior...