A Menina e o Acordeão

Menina pequena, acordeão gigante. Que música sairá dos dois? Que melodia encantará meus ouvidos de pescador perdido?

Tânia ri baixinho e me pede ajuda para lembrar o ritmo de uma canção. Sei não, Tânia! Só me lembro de algo assim:

- Hum, hum, tan, tan, tan... - resmungo no que era para cantarolar.

- Fum, fum, fan, fan, fan... - canta o arcodeão ou será que foi a Tânia?

Tenho medo que ela descubra que sou novo na banda e só sei mesmo cantar no chuveiro, mas desconfio que Tânia olha para a minha alma como quem encara um espelho e vê o reflexo de si mesmo. Um dia ela deve ter sido assim como eu, um analfabeto musical que não distingue um SOL de um LÁ; quem sabe tenho chances em me tornar um músico, acho que já passou da hora de aprender a tocar aquela gaita do Paraguai. Devaneio e volto, tudo o que preciso fazer é cantar...

Continuamos o nosso estranho dueto e o som do arcodeão chama a atenção de todo o salão. Penso nas ruas de Cajazeiras, no sertão da Paraíba, ao mesmo tempo que sou arremessado para as esquinas de Paris. Oxente, Monsieur! Sei lá onde vou, Mon Chérie, mas vou lá,anyway, pois tudo tem cara de Déjà vu. Já vivi isso antes, um ensaio para a música e o outro ensaio para a escrita. Não sou nenhum, nem outro ainda, mas sei que sou da arte de fazer poesia em flor, como diz Auri, quando recebo um poema caindo do céu.

A música continua...

Somos o arroz da festa, quero dizer, ela é, eu só seguro a letra, e fico morrendo de vontade de fazer crônica, mas não cronico nada, pois é hora da música. Esse é o momento do laríngeo, dos ouvidos, das batidas do tambor do cardíaco e do ritmo de cada pulsar do meu corpo para acompanhar a Tânia tocando as belas canções de um certo

Mestre seringueiro.

Cada canção é uma porta para a festa da alma e por toda a jornada, observo, enquanto canto, a relação de amor entre a menina e o acordeão. E quando finalmente, parece que Tânia tirou todo o som que podia do seu instrumento musical, o acordeão começa a entoar os acordes de uma canção para a Deusa da Cachoeira e dos rios. Oxum, não poderia ter mais bonita homenagem. Não dá mais vontade de cantar, somente ficar quietinho e escutar aquela canção belissíma que meus ouvidos tiveram a honra de ouvir, e observar o riso baixinho de Tânia, riso de felicidade que se propaga nos aplausos. O seu acordeão bem que quis também agradecer, mas coitado, exausto, ele descansava em seus braços agora em silêncio.