Um contestador cordial
Morreu João Balula, homem de teatro, bailarino, militante do movimento negro em João Pessoa, criatura estimada pelos que tiveram o prazer de sua convivência. Balula foi um suave contestador, firme em suas posições, intransigente na defesa dos direitos das minorias, mas uma figura doce, um pensamento de verniz esquerdista com um temperamento cordial.
Foi presidente da Federação Paraibana de Teatro Amador, organização onde militei nos idos de 70, que tentava dar um rumo decente às artes cênicas paraibanas. Penteados afros, looks coloridos inspirados em vestes africanas davam o tom do visual do nosso Balula, orgulhoso de sua procedência étnica e de sua preferência sexual. Quem avistava pela primeira vez aquela “figura exótica” não recebia de imediato boa impressão, nos moldes desse mundo “certinho” onde todo mundo, para ser “normal”, deve se vestir e proceder como a maioria. Balula fazia questão de impactar, expressando cepticismo e dúvida quanto à justeza dessa sociedade hipócrita. Os medíocres de todas as tendências torciam o nariz para João Balula, que não correspondia aos padrões “normais”.
No cenário meio brega meio tribal da cultura paraibana, Balula impunha respeito pelas suas posições e por viver aquilo que pregava, ou seja, a liberdade total para seus semelhantes. Foi um anarquista nas suas pequenas e grandes atitudes, um guerrilheiro da arte verdadeira, que é aquela vivenciada por homens e mulheres não adeptos do mercantilismo no fazer artístico, os audaciosos que afrontam o capitalismo tentando fazer arte e cultura sem dar muita bola à lógica do mercado. Por isso Balula morreu pobre, mas seu espírito criativo e honesto certamente estará vagando pelas portas do céu, reclamando sistema de cotas para negros no paraíso dos artistas, porque “os direitos dos negros não podem esperar mais”.