Crueldade coletiva

Certo dia de dezembro do ano passado, um cidadão subiu em uma torre de trinta metros em Itabaiana, ameaçando suicidar-se. Logo se formou uma pequena multidão. As pessoas gritavam em coro para o pobre rapaz:

--- Salta! Salta!

Um homem foi mais prático:

--- Recebi agora o dinheiro de minha aposentadoria. Dou 300 reais pra você saltar daí!

Esse comportamento brutal das pessoas às vezes não tem explicação. Desumanidades e atrocidades são corriqueiras no mundo, quando pessoas aparentemente normais são capazes de protagonizar atos de extrema violência coletiva. Nada entendo de psicologia social, e fico estarrecido com esses fatos, para mim enigmas da mente humana.

Na multidão de Itabaiana, que torcia pelo suicídio do cidadão, havia donas de casa, estudantes, negociantes, crianças, senhoras católicas, moças evangélicas, pessoas que estão longe de apresentar personalidades sádicas e pervertidas, pessoas comuns e surpreendentemente simples. Pensei: seria a tal “banalidade do mal” de que falava a historiadora e filósofa americana de origem alemã Hannah Arendt?

Uns cientistas acham que os indivíduos perdem a capacidade de realizar julgamentos intelectuais e morais quando estão em grupo; portanto, os grupos são perigosos por natureza. Outros garantem que as pessoas têm um impulso inevitável de agir de modo tirânico quando se reúnem coletivamente e detêm poder. No caso do grupo que torcia pela morte do cidadão em Itabaiana, qual a fonte desse poder? Acho que o poder do coletivo, um grupo grande que não tem consciência plena do seu poder de pressão, sem um caminho a seguir, e volta-se para a tirania. Numa multidão, você perde sua identidade e atende ao incentivo para agir destrutivamente.

Nunca presenciei um linchamento, mas lembro que na escola, juntava-me aos colegas para a terrível brincadeira do “corredor polonês”. Os mais fracos eram os mais penalizados pela tortura da crueldade juvenil.

O filósofo brasileiro Sérgio Buarque de Holanda escreveu um livro sobre a cordialidade na sociedade brasileira. Ele cunhou a frase “o homem cordial” para definir a personalidade do brasileiro. De fato, cordialidade é um traço forte do caráter nacional, mas pode ser modificado de acordo com as circunstâncias históricas.

No caso de pessoas comuns que ficam berrando para ver um suicídio, desconfio que esse comportamento tem a ver também com um estado de não-realização coletiva, vítimas que são de um mal-estar psicológico, por não possuir o apoio social para controlar o seu destino, por isso têm baixa auto-estima, mais stress e altos níveis de ansiedade e pressão. Se for assim, nosso povo vai mal!

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 20/05/2009
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