REDAÇÕES TRAUMATIZANTES!
Não sei como consegui sair do primeiro ano primário.
Naqueles tempos as crianças só saiam do primeiro ano alfabetizadas.
As que teimavam em ficar analfabetas eram convidadas a sair da escola.
Tínhamos que ler sem titubear que Vovô viu Ivo dando uva para a vovó várias vezes.
A gente lia para a vovó e dava a maior confusão...
Fica quieto moleque...
O bebê babou bastante bananas.
Essas aliterações!
Isso até era fácil!
Difícil mesmo foi sobreviver às redações com temas criativos que era obrigado a escrever.
Em Maio, o surpreendente tema “Minha mãe!”
Tinha que ser cuidadoso
Uma vez um colega colou a redação do vizinho.
Descreveu a mãe do outro tão bem que tirou nota melhor que o filho biológico.
Como você sabe tantas coisas da minha mãe, perguntou o verdadeiro filho.
Meu pai ajudou a fazer, foi a resposta.
Foi um qüiproquó quando o menino contou em casa que o pai do amiguinho ajudara a descrever sua mãe e tirou nota melhor.
Diz a lenda que quase deu desquite. (Não existia ainda o divórcio).
Nas duas casas.
Outro tema recorrente era “Minhas férias!”.
Em março e agosto.
Numa dessas tirei minha primeira nota vermelha em Língua Portuguesa.
Sincero, escrevi:
Joguei bola todo dia!
A professora tomou como preguiça minha síntese e após breve análise do texto, sacou da caneta vermelha e introduziu-me no mundo da mentira.
A partir daí, o pobre aqui que nunca tinha um centavo para comprar bala na cantina, passou a viajar para a praia, a ir ao cinema todos os dias, a passear no Aero Willys do tio, a nadar na piscina do clube.
Tudo ao mesmo tempo.
Ainda por cima criava a maior inveja no resto da turma.
Comecei a perceber como criança é um bicho invejoso.
Uns diziam cheios de curiosidade:
Eu vi seu pai na rua! Estava na maior folga enquanto o meu tem que trabalhar.
Vejam só! Um desempregado causando inveja.
Tem um carro diferente na sua garagem. É novo?
Claro, o novo locatário da vaga que ajudava a sustentar a casa.
Outra redação que me causou transtorno foi:
“O que você quer ser quando crescer?”
Na pressa de ir para o recreio chutar pedrinha, o sintético se traiu e respondeu:
“Rico!”
Caneta vermelha!
Senti-me na pele do Joãozinho quando a professora deu como tema da redação:
“Realeza, religião e sexo” e ele escreveu: “A rainha disse: Meu Deus! Que bom!”
Quem foi que inventou os adjetivos? Está na Constituição que é obrigado usá-los?
Nem sei como não precisei de análise quando passei a abreviar meu nome na assinatura.
Minha vingança foi numa prova da Faculdade de Jornalismo.
Dada uma longa notícia narrando um catastrófico acidente de aviação para que fizéssemos uma manchete, resumi o assunto: “Ministro morre!”
Ganhei dez!
Com caneta vermelha, pois o professor, gaúcho fanático pelo colorado evitava as cores azul e preta.
Assim se deu!
Quando me lembro dessas quase verídicas passagens, pergunto-me:
Como consigo escrever?
Outro dia falo das poesias.