Algodão-doce - crônica de reminiscências
 
As lembranças de nossa infância, em sua maioria, são sempre doces.Devemos agradecer que em meio a tanta doçura, haja uma porção amarga, uma pitada de sal em nossas memórias. Devemos ser gratos porque assim amadurecemos e enfrentamos a vida desde cedo? Não! Porque se todas as nossas vivências infantis fossem doces, nossa memória seria obesa..rs
 
Eu já havia gastado todo o dinheirinho que eu dispunha em brincadeiras (pescaria, boca do palhaço, pipoca) e comprando souvenires.Porém, foi perto do final do evento - era uma festa beneficente, organizada pela associação dos moradores de bairro – que eu vi a máquina de algodão doce.
 
Louca por doce corri para minha mãe que estava jogando bingo com uma amiga e pedi a ela mais algumas moedas.Ela me negou, alegando que eu já havia me dado uns tostões e como já era tarde, em breve iríamos para casa.
 
Sem que ela visse, fui até a nossa casa que ficava a uns cinco minutos dali e pedi para o meu pai, fazendo beicinho (quer dizer, eu sempre tentei fazer beicinho, mas com os lábios do tamanho do meu, isso sempre me foi uma tarefa para lá de impossível... hehehehe) uma graninha e voltei para a festa toda serelepe.
 
Não me esqueço da cena: assim que entrei no salão em que a máquina de algodão estava instalada, vi o homem que a operava desmontando-a .Ele tinha compromisso com horário e não podia ficar mais ali por mais tempo.Que frustração!
 
O gosto daquele algodão-doce não comido ficou em meu paladar durante anos, muitos anos.Não que eu não tivesse tido a oportunidade de comprar outros, em outras feiras, em shoppings, em eventos.Comprei, sim, vários.
 
Mas nenhum me apetecia, nenhum era doce o suficiente como eu supunha que aquele, que eu perdi aos sete anos de idade, era.Nenhum!
 
No aniversário de dois anos da minha filha, ano passado, numa conversa via telefone com os donos dos brinquedos infláveis (pula-pula, cama elástica, etc.), ele me perguntou se eu não gostaria de locar também uma barraca de algodão-doce.Pensei: por que não?
 
Um pouco antes de a festa começar, os últimos preparativos sendo providenciados, a decoração do salão pronta, os brinquedos inflando, ouvi uma voz me oferecendo:
 
-Gosta de algodão-doce? Fiz o primeiro para a senhora.
 
Quem pensa que eu passei o aniversário inteiro me empanturrando com a guloseima, errou. Assim que eu coloquei o primeiro naco da nuvem doce na boca, matei ali minha vontade de mais de vinte anos adormecida.Eu, literalmente, estava no céu.
 
 

(Maria Fernandes Shu – 19 de maio de 2009)

 
 
 
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 19/05/2009
Código do texto: T1603161
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