A santa amassadinha
A fé popular é uma característica forte da cultura nordestina. Os nossos santos e santas nascem no meio da natureza braba, da miséria e falta de expectativa de vida. Mas tem uma raiz profunda, coisa que serve de estudo aos cientistas, algo que está além dos padrões culturais dos povos. O que leva um ser humano a ter fé e manifestar essa crença de forma definitiva em sua vida? É uma necessidade que temos, a fé humana que independe das variações culturais.
Sou um apático diante das manifestações de fé. Sou aquele homem de pouca ou nenhuma fé, de que fala o Evangelho. Rachel de Queiroz disse um dia que não possuía o dom da fé, mas invejava os que sustentam firme convicção de que algo seja verdade, sem precisar de provas. Gostaria de ter esperança, de acreditar, que isso é essencial para a vida, mas tenho apenas uma crença vaga e pouco clara.
Semana passada conheci uma senhora por nome Mariinha, que mora na Rua Coremas, em João Pessoa. Sabendo que eu escrevia em alguns jornais e espaços na internet, pediu para divulgar a história da “Santa Amassadinha”, como ela carinhosamente denomina a sua santa, fabricada e descoberta por ela mesma, devidamente benzida pelo capelão do Pam de Jaguaribe e já contando com dois milagres no currículo. Deu-se que dona Marriinha vendia doces na rua, num dia chuvoso e sem quase nenhum lucro. No fim do dia, ela se preparava para ir embora, amassou um guardanapo e jogou no chão. Foi quando notou que o guardanapo tomou a forma de uma santa ajoelhada rezando. Na sua fé, ela acreditou que um milagre havia acontecido. Rezou para a santa recém descoberta, enquanto a chuva aumentava, provocando um pequeno dilúvio na rua. Daí apareceu um rapaz por nome Cezar Araújo, morador das vizinhanças, queixando-se de que havia perdido um saco plástico com preciosos documentos de uma herança da família. Desesperado, e já meio triscado por vários goles de cachaça engolidos no bar do Zé, o rapaz aceitou o convite de dona Mariinha para rezar para a “Santa Amassadinha”, que estava alí mesmo, na chuva e mantendo sua forma de santa de papel. No dia seguinte, um homem bateu na porta do rapaz com os documentos, que encontrou numa valeta.
Outro milagre se deu com uma menina de três anos de idade, conforme o relato de dona “Mariinha”. Um portão de ferro caiu por cima da garota, que ficou desacordada, entre a vida e a morte. Levada para o Hospital de Traumas, foi salva com apenas um arranhão no rosto, “graças à intercessão da Santa Amassadinha”. A menina ressuscitou, no entendimento da descobridora da Santa.
Fiz uma promessa a dona Mariinha: publicar a foto da santinha na internet, apesar da intolerância congênita entre os internautas e essas correntes religiosas que rolam na net. Mas é só você pensar numa graça, e mandar a foto da santinha para dez pessoas. Depois de dez dias alcançará o que foi pedido. É um exercício de fé. Se você não crê em nenhuma forma de transcedência, somente na materialidade do mercado e no juro embutido, convoco-o a um descobrimento da fé, reforçando a cadeia de união pelo nascimento de um mito novo. E não me venha com o lenga lenga discriminador de que a santa de dona Mariinha é coisa de pobre analfabeto. Ela é tão legítima como os demais mitos religiosos. Diferente do que se tem pensado ao longo dos séculos, a fé não é uma manifestação de ignorância.
Se você não respeita a crendice popular, é porque confunde com o que se vê hoje: mistura de dinheiro, poder e religião. Nada a ver com as igrejas universais e outros negócios que submetem milhares de brasileiros a lavagem cerebral com o propósito de angariar dinheiro e bens como fórmula para a obtenção de graças divinas capazes de promover a melhoria de vida de seus praticantes. A humilde santinha de papel não tem nada a ver com o surgimento de várias religiões que se aproveitam do desespero das pessoas e passam a controlar suas vidas, ditando regras.
A “Santa Amassadinha”, esqueci de dizer, foi descoberta em 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. Num mundo pessimista como o de hoje, a fé simples de dona Mariinha é comovedora.