O VELHO TOMÁZ

Mãe sempre arranja um jeito de meter medo nos filhos para mantê-los sob controle. Minha mãe não era diferente. Além das histórias da Mula Sem Cabeça, do Lobisomem, da Matinta-pereira, do saci pererê, ainda havia o Velho Tomàz! Ele era simplesmente o terror vivo da criançada. Eu tinha medo só de ouvir falar o nome dele. O Velho Tomáz era um negro de quase dois metros de altura, com uma barriga imensa. Sergio Lorossa perde feio! Corria a história de que ele era assim, porque comia crianças, principalmente as mal-criadas, preguiçosas e as comilonas. Como eu era e sou confessadamente gulosa, meu pavor era justificado. De vez em quando minha mãe ainda dizia:

-Olha, se o Velho Tomáz te pega, acaba com essa gula!Eu ficava me perguntando se minha mãe teria mesmo coragem de me entregar para o velho, mas preferia acreditar que não. Pois bem, era época de amarração dos moles de tabaco, cujas folhas, depois de curtidas ao sol, eram arrumadas uma em cima da outra, num retângulo de mais ou menos dois metros de comprimento, por alguns centímetros de largura, não sei bem. Depois, era enrolado como um grande canudo com as pontas afuniladas. Era o que se chamava de moles de tabaco. Findo esse processo, iniciava-se a amarração em uma corda que ficava presa em um suporte encostado na parede. Ali, vários homens sentados no chão, amarraram os moles de tabaco, que depois ainda passavam por outros processos de curtição. Durante a amarração, os moles ficavam estendidos no chão, formando uma espécie de esteira. Eu adorava andar em cima deles, fazendo-os dançar sob meus pés. Era um divertimento e tanto! No dia em que este serviço estava sendo feito em minha casa, eu passara a manhã no sitio vizinho ao nosso. Quando voltei e vi aquela esteira de moles de tabaco no chão, não resisti e fui executar o meu ballet. Lá estava eu feliz da vida, quando lembrei de olhar para a cara do amarrador. Quando isso aconteceu, o meu coração disparou! As pernas bambearam. A boca ficou seca, não saia nenhum som Era ele, o Velho Tomáz! Só podia ser, grande e barrigudo daquele jeito.Chegara a minha hora, não haveria salvação possível!Num esforço que ia além das minhas forças, quis sair em disparada, mas no desespero escorreguei e os moles de tabaco rolaram sob meus pés.Caí estatelada bem do ladinho do velho. Fiquei quietinha esperando ser engolida inteira. Os segundo pareciam uma eternidade...De repente, a manopla do velho no meu braço e o vozeirão estrondoso:

-Levanta já daí sua moleca, senão eu te engulo já e já...

Não sei como consegui levantar e correr para a cozinha tomar e água para curar o susto. Já refeita, uma verdade cristalina me saltava aos olhos. O Velho Tomáz não comia crianças coisa nenhuma! Era tudo invencionice dos pais para manter as crianças sob controle. Daí em diante, minha mãe não usou mais o Velho Tomaz para curar a minha gula. Aprendi também que todo mito tem seu dia de queda e que não há, mentira que dure para sempre, nem de pai e mãe.

Conceição Gomes