SACOLEJOS DE FIM DE DIA (a saga da volta para casa)
Sacolejos, suor - cheiro de suor, esquentamento, enquanto isso, pés “incautos” pisoteiam as folhas de uma revista semanal no ônibus urbano, objeto caído das mãos de alguém que, para obtê-lo, talvez tenha gastado o seu último trocado, resguardando, é claro, o da condução.
A revista, perpassando o chão sujo, transformava-se na dita cuja que ninguém mais folheará devido ao alto grau de degradação a qual fora submetida; nela estampados famosos rostos, gentes de dinheiro, fama e sorte; corpos bem feitos, roupas de grife, perfumaria, viagens anunciadas em navios estrangeiros, alardeando um conforto digno de reis, por toda a costa brasileira até a Argentina, com paradas obrigatórias em paraísos de deleite e maravilhas mil. Vips, Vips, Vips.
E as reportagens!? Estas anunciam a carreira vertiginosa de uns, o aniversário comemorado na mansão de outro; a safadeza de alguns políticos que, se perdem os seus cargos por improbidade na lida com o erário público e quiçá devolverão a quem de direito o que usurparam. Isso e mais aquilo, fotos e fatos são espezinhados pelos cansados pés de após lavor; pés, esses, bases de sustentação do corpo daqueles em cujas cabeças só um pensamento prepondera: o de chegar a casa o mais rápido possível. Não mais que uma noite separa o ordenamento “natural” das coisas dos homens: mal amanhece e outra vez a lida.
No entanto, houve uma diferença que não se assuntaram os personagens daquele enredo: naquela tarde, começo de noite, sem o querer, muitos e muitos pisaram as gargantas daqueles que não sabem ou se esqueceram do que é ser pobre num país rico; que após galgarem a escadaria que os conduziu ao sucesso ou mesmo a uma vida digna e cidadã, recolheram a escada: recolhem-na para que outro não se sirva da mesma via que o elevou; ainda há os que acenam que não se deve abrir mão do sonho e são os primeiros a colocarem entrave no sucesso alheio.
Sei que muitos não se deram conta. Eu, se a princípio lamentei tê-la deixado cair no chão imundo daquela condução e sem chance de resgatá-la, que ainda não a havia lido, apenas folheado... Após ocorrer-me as idéias que acima descrevi, arrependi-me de havê-la comprado. Ao passar por seus restos, pisei e esfreguei o pé direito por inúmeras vezes. Havíamos chegado ao ponto final e eu a última pessoa a sair.
O motorista olhou-me entre impaciente e divertido por eu estar limpando meus sapatos, enquanto eu me sentia feliz por lavar a minha alma de maneira consciente naquele começo de verão, num começo de noite de um dia qualquer, ao deixar o ônibus dos aflitos. Horas depois, já seria o dia seguinte: sacolejos, suor, cheiro de suor, esquentamento...
Que “nos” perdoem os justos! Desabafo é fundamental!