Era Silêncio na Casa Materna
Era silêncio na casa materna. Não se ouvia mais o canto dos pássaros. O aroma do café feito nas primeiras horas da manhã sumira. Só havia tristeza naquele lugar. A cada passo que eu dava sentia o chão estremecer. Minhas recordações vieram à tona. Sentia o pulsar do meu coração. Era tanta emoção misturada com minha lucidez. Não se ouvia mais o vento soprar e as árvores que lá estiveram um dia, morreram. Fazia oito anos que eu não entrava mais lá. Podia ouvir o tilintar das panelas vindos da cozinha e o barulho das águas caindo no telhado. Meu corpo tremia e eu mergulhava numa profunda tristeza, pois meu passado estava ali, naquelas paredes hoje encharcadas pela lama.
Tudo aconteceu no dia 31 de Dezembro de 2000 e depois de tanto tempo as marcas daquela tragédia permaneciam cravadas ali. Era véspera de Ano Novo e estávamos todos reunidos esperando a chegada de mais um dia. Chovia muito e a claridade dos trovões tomavam conta da nossa humilde casa. Relâmpagos, raios, granizos e um céu fúnebre ameaçava nosso início de ano. A natureza estava gritando a sua dor. E nós ali assistíamos a tudo calados.
Era verão e por isso o calor insuportável derramava as suas lágrimas. Morávamos à beira de um lago lindíssimo, onde turistas de todas as partes vinham em busca de prazer. Para eles eram dias de descanso, mas para nossa família dias de tormento. Com todas as suas cargas chegavam aos montes e não se preocupavam com as pessoas que moravam ali. Comiam e bebiam. Divertiam-se diariamente e sem nenhuma preocupação. Desfrutavam da natureza que Deus fizera enquanto minha família e eu afundávamos nas sujeiras que eles deixavam. No começo foi fácil e limpávamos tudo, mas os anos foram passando e o acúmulo de sujeira aumentando. Temíamos o pior. E aconteceu.
Naquele que seria um final de ano tranqüilo a natureza decidiu gritar a sua dor. O céu chorou, mas chorou muito. E não se contentando com seu choro gritou, berrou, raiou. Eram lágrimas que caíam num dia feliz. Era um grito de desespero que invadiu nossa sala, cozinha, quartos e banheiro. Era a dor de uma mãe que perdera seus filhos mortos pela interferência humana. E ali ficamos calados, mudos e sozinhos. Tudo inundado pelas lágrimas da mãe natureza que num gesto de socorro e raiva não poupou nem aqueles que dela cuidavam.
Lama, folhas, galhos de árvores, garrafas, sacos plásticos e muita água invadiram nossa casa. Minutos depois não havia mais nada. Ano Novo? Festa? Bolos, chocolates, frutas, perus? Nada. Não havia mais nada. Perdemos tudo. Nossas vidas marcadas para sempre. O lugar antes habitado hoje jaz insepulto. Tudo terminara da pior forma imaginada. Homens que lá chegaram e depositaram seus lixos e resíduos destruíram nosso lugar.
Pessoas cultas, estudadas, gordas e magras, altas e baixas passando suas férias e vivendo seus momentos. Sim, gente como a gente. Pessoas que pensam, falam, andam, que cuidam de suas casas, mas que esqueceram de cuidar do cantinho por onde passaram. E hoje, caro amigo, junto com a natureza choro a minha dor. Não tenho mais casa e até a natureza nos abandonou.