Bodas de Prata

Existem certos fatos, que não podemos deixar de registrar. Uns por serem muito atuais outros, justamente, por já fazerem parte do passado. Mas sempre por os julgarmos belos, pitorescos ou raros e, também, por nos sentirmos gratificados em repartir esses fatos com outros, por meio de seus registros.

Neste fim de século de corrupção, drogas, bundas, pornografia, muita violência e desencontros não seria criativo, ou pitoresco, ou, para alguns, até mesmo belo falarmos sobre bodas, não só bodas, mas de Prata?

Uma de minhas melhores amizades é a de um casal e teve início quando os três trabalhavam numa das maiores montadoras de automóveis em São Bernardo do Campo, município de São Paulo.

Por uma doce e estranha coincidência, de lá para cá, Zé e eu trabalhamos sempre juntos. Pois bem, o Zé sabendo do meu prazer em escrever, chamou-me cheio de discrição e, tal como quando conspiramos, sussurrou: velho companheiro, no próximo mês, minha mulher e eu completaremos 25 anos de casados. Como te consideramos um de nossos melhores amigos e presenciaste nosso namoro, noivado e a cerimônia do enlace, gostaria que escrevesses para registrar o evento. Não comenta nem com tua mulher, pois quero fazer surpresa.

Passei alguns dias ruminando até que surgiu a idéia de utilizar elementos do Ocultismo, assunto que agradaria em cheio a companheira do velho e grande amigo, o Zé.

Como um raio, aquele Sábado, meio primavera meio verão, de 25 anos passados, tomou conta de minha mente e coração. Ela taurina de 06/05 estava linda e ele virginiano de 18/09, nervoso. Casaram-se às 11 horas do dia 11/11 de 1967.

Apesar de completamente leigo em Numerologia ou Tarô, de tanto ouvir a mulher do Zé dizer que nos números, nas cores e nos sons está contida imensa sabedoria, achei por bem tomar os números desse casamento, relacioná-los com cartas do Tarô e decifrar o enigma dessa duradoura união.

A soma dos algarismos do 06/05 dela nos leva ao número 11 e o 18/09 dele nos leva ao número 27, que por sua vez somado dá 9. O 11 dela mais o 9 dele somado nos levam ao número 20, que representa a união dos dois.

Os números do momento da união 11 de 11 às 11 horas de 1967 se somados dão: 11(2) + 11(2) + 11(2) + 1967 (23 = 5) 2+2+2+5 = 11.

Chegamos à primeira conclusão. Têm razão aqueles que afirmam: “quem escolhe e decide sobre a união é a mulher” os números do momento da união deram o11 dela.

Agora vejamos o que dizem as cartas do Tarô: a carta 11 para ela; a 9 para ele e a 20 para a união.

Vamos transcrever de uma apostila de Tarô o que revelam essas cartas:

Carta 9 - O ERMITÃO

Esta carta é representada por um ancião de longas barbas envolto em seu misterioso manto. Segura com sua mão esquerda um cajado representando a prudência e o oculto. Em sua mão direita vê-se uma lanterna que representa sua luz própria, seu conhecimento adquirido. Significa sabedoria, maturidade, prudência, introspecção, solidão.

O homem que busca a verdade e a autenticidade. Tem um riquíssimo interior e um olhar profundo e penetrante que devassa a alma.

Carta 11 - A FORÇA

Esta carta está representada por uma mulher controlando a boca de um leão, que está com a mandíbula na altura de seu sexo, não demonstrando estar fazendo qualquer esforço para controlá-lo. Tem um chapéu na forma de oito deitado que simboliza o infinito.

Representa o triunfo da inteligência, vitalidade, domínio da força-agressão, confiança em si e nos seus valores. Significa força da atração sexual feminina, domínio da alma sobre o instinto. Possessiva, gosta de tudo na sua mão e que nada saia do seu controle. Zelo, esforço incansável, triunfo do amor sobre o ódio.

Carta 20 - O JULGAMENTO

Esta carta está representada por um anjo ou gênio, que toca sua trombeta. Três figuras, um homem, uma mulher e uma criança, que estavam mortos, revivem saindo do túmulo: é o ternário da vida humana, o despertar do passado, para que no futuro se construa algo melhor.

Significa o entusiasmo, espiritualidade, mudanças, transformação, inspiração, cura, missão a cumprir, renovação, desejo de imortalidade: é a transição da desordem que se completou. Todas as coisas voltarão a se encontrar nos respectivos lugares.

O grande ensinamento é que devemos rever e analisar nossas ações, erros ou equívocos do passado, tirando dessas experiências anteriores os ensinamentos para que possamos no futuro evoluir, principalmente no campo espiritual.

Assim, sem esforço algum, observamos uma indicação de que as cartas, de fato, podem revelar muito sobre essa união. A indicação está que a carta relacionada a ele é representada por uma figura masculina, enquanto à ela é representada por uma figura feminina e a relacionada ao casamento, por um homem, uma mulher e uma criança.

A prudência virginiana dele desmontou-se pela força da atração sexual taurina. E a carta 20 revela sem grande esforço que:

- para os dois, a primeira grande transição das suas desordens completava-se com o casamento há 25 anos passados;

- a união representou para ele desejo de imortalidade, e para os dois mudanças, transformação e renovação;

- o casamento para os dois significa entusiasmo e permanente inspiração;

- aconselha ao casal uma revisão e análise das ações do passado, para que tirem dessa experiência os ensinamentos necessários à evolução e a construção de uma vida cada vez melhor, principalmente no campo espiritual.

Como as cartas deram indicações muito claras nossos comentários poderiam ter sido omitidos. Entretanto, como todos os amigos do Zé são profundos conhecedores de sua timidez, não poderíamos deixar de registrar suas palavras quando, após comprometer-me em escrever esta prosa, indaguei; “Zé, na festa dos teus 25 anos de casado, o que gostarias de dizer para tua mulher?”

Zé segurou-me pelo ombro e, apesar de seus olhos não poderem esconder a emoção, respondeu falseando a voz: gostaria de dize-lhe que continuo apaixonado, pois seu olhar, corpo e seu sorriso às vezes acariciam como brisa matutina e outras queimam como sol a pino.

Gostaria de dizer-lhe que continuo amando-a, pois sua alegria me alegra, sua dor me faz sofrer, sua realização, seja em qual nível for, me realiza e minha admiração pelo seu caráter cresce a cada dia que passa.

Desejaria confessar-lhe que continuo amando-a, pois percebo que continuo correndo o risco por incentivá-la na aventura de seu desenvolvimento, pois se não amasse não controlaria meu medo de perdê-la e bloquearia ou inibiria suas iniciativas para vida.

Percebi que a prosa já estava longa e finalizei desejando-lhes, em nome de todos os seus familiares e amigos, muitos e muitos anos de vida, sempre juntos como dois passarinhos e em permanente evolução.

Na véspera da celebração dirigi-me à mesa de trabalho do Zé e entreguei-lhe a prosa encomendada com aquele sentimento de dever cumprido.

Na noite seguinte, depois de várias manifestações e discursos, Zé pediu atenção dos presentes e surpreendeu a todos, lendo uma poesia de sua autoria – “Amor de Prata”. E concluiu: só um homem apaixonado presentearia sua mulher no dia de suas Bodas de Prata com rosas, uma prosa do amigo de sempre e com rimas compostas por seu grande amor.

No dia seguinte, com muita justiça, Zé havia sido liberado do primeiro turno de trabalho. No início do segundo turno, procurou-me e disse que o casal ficara muito feliz e grato com a prosa- registro de suas bodas de prata. Acrescentou que sua mulher ficara deslumbrada com sua poesia e que afirmou que tenho muito jeito para o ocultismo e que, por isso, estava convocando-me para assistir as palestras públicas da escola iniciática da qual é membro.

“Amor de Prata” são as rimas de meu amigo para celebrar seus 25 anos de casamento.

Amor de Prata

Festejo nosso encontro.

Festejo tua escolha.

Festejo nosso namoro,

noivado e nossa boda.

Festejo o azul dos teus olhos,

a cicatriz no teu traseiro,

as sardas do teu colo,

enfim teu corpo inteiro.

Festejo a magia do teu ventre,

que selou um futuro em semente.

No passado dois meninos,

poesia e prosa do presente.

Festejo o zelo pelas crias e pela casa,

teu Beethoven, tuas tortas e teu pão preto,

teus adágios com sotaque e graça:

“ô xocé ! Você já virou o espeto”.

Festejo teu encanto

e meu prazer em explorá-lo.

Festejo teu enigma

e minha constância em decifrá-lo.

Festejo nossa solidariedade

no espaço, no tempo,

na alegria ou na dor.

Brindemos este momento,

que é de prata do nosso amor.

Vinte e cinco anos de casamento.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 17/05/2009
Reeditado em 06/07/2021
Código do texto: T1599623
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