Moradores de vilas

Essa história aconteceu há duas semanas na vila onde moro. Uma mulher já idosa e com muita bagagem desceu de um táxi na frente da nossa vila. Era até que bonita. Tinha olhos azuis bem brilhantes e uma pele que, apesar das rugas, exibia certo ar jovial.

Junto dela desceram dois cachorros e uma gaiola com dois periquitos, um em cada. Cuidadosamente ela colocou as gaiolas sobre a maior mala, encostada no pneu do táxi, e abriu sua carteira. Uma nota de cinqüenta Reais voou para fora da bolsinha e foi cair próximo aos pés de dona Suzana, a moradora que recebera dois títulos em nossa vila, dado pelos moradores mais jovens: Moradora mais antiga, e moradora mais fofoqueira.

O táxi partiu e a senhora ergueu os braços para a garotada. Alguns correram afoitos para ajudá-la afinal, sempre rolava uns trocados quando se ajudava pessoas idosas na vila. Quem chegou primeiro foi o Léo, filho da costureira e o Valdir, primo do Léo e que tinha tendências homossexuais, segundo a fofoqueira da vila.

Levaram a bolsa até a nova casa da senhora. Ela deu-lhes uma nota de dez Reais para ser dividida igualmente entre eles. Depois, sorriu e entrou. Ela nunca saía de casa. Às vezes um homem chegava bem cedo, ficava uns vinte minutos e saía cabisbaixo e sempre com pressa. Esse comportamento atípico logo chamou a atenção de dona Suzana.

Toda manhã, ela estabeleceu o ritual de sair cedo de casa, ir até a padaria e comprar pães. Normalmente, pediria a algum moleque que estivesse desocupado, ou esperando o ônibus para a escola. Mas, assim que cismou com o homem que sempre chegava cedo, resolveu apurar.

O homem realmente vinha todos os dias. E repetia o tal ritual. Dona Suzana começou a dizer que ela tinha encontros amorosos com o rapaz bem mais moço que ela. Contou para o padeiro, para o homem da tv a cabo. E comentou rapidamente com o carteiro, para que ele ficasse de olho, pois a nova moradora engolia moços mais jovens. Um clima começou a ser criado na vila. Um amontoado de pessoas começou a achar que a nova moradora realmente se tratava de alguém promiscuo. Os jovens começaram a escrever nas paredes dela. Muitas ofensas começaram a ser pichadas nas paredes e muros da vila.

As histórias inventadas por dona Suzana foram ganhando adaptações e novas versões, logo as histórias haviam atravessado a rua e ido parar na vila da frente.

O homem mais moço continuou visitando a moradora nova. Continuava chegando cedo e saindo com pressa, às vezes de roupa trocada e cabelos molhados. Aquela dúvida de quem seria aquela mulher e o perigo e má fama que ela poderia trazer para a vila começou a incomodar dona Suzana. Cansada de não saber, resolveu ir até a nova moradora e perguntar algo para assim, poder iniciar uma conversa-entrevista.

Assim que o homem foi embora, no dia seguinte, ela bateu na porta da nova moradora. Bateu três vezes e ninguém atendia. Na sexta vez, ouviu o trinco estalar. Devagar a porta foi aberta. Parecia estar dormindo.

-Olá. Só vim saber se está tudo bem com a senhora. Não vejo a senhora na rua, nunca sai de casa.

-É que ando muito doente. Não posso ficar caminhando por aí.

-Ah sim, é porque nós já estávamos preocupados. A senhora nunca sai e sempre sai um rapaz da sua casa cheio de pressa. Achamos que ele lhe fazia mal. O pessoal dessa vila inventa muito sabe dona...dona...?

-Isabel.

-Dona Isabel. As pessoas já estavam começando a inventar que a senhora estava recebendo homens em sua casa...

-E se eu estivesse?-respondeu dona Isabel sendo seca.

-Como?-perguntou dona Suzana surpresa coma resposta da mulher.

-Ué, e se eu estivesse? A casa não é minha? Eu faço o que quiser dentro de minha casa, não?:

-Tem toda razão.-respondeu se remoendo por dentro, a fofoqueira.- Só vim até sua casa porque as pessoas estão falando, e não gosto de fofocas. Mas quem é o rapaz? Ele é bonito.

-É meu filho, querida. Meu filho vem me aplicar a injeção todo os dias antes de ir pro trabalho.

-Ah, seu filho é? Bonito ele. Sempre bem arrumado. Ele é o que?

-Meu filho é altista. Agora posso dormir?

-Altista? Mas isso não é...

-É, isso mesmo. Mas preciso voltar a dormir, senhora. Agradeço sua preocupação. Assim que melhorar visito a senhora em sua casa. Tudo bem? Passar bem! –disse dona Isabel praticamente empurrando a fofoqueira de sua casa.

Fechou a porta com toda força. Por mais que estivesse satisfeita com a solução de sua dúvida, a fofoqueira ainda estava querendo mais. Como assim altista? E trabalha? Meu filho é normal, tem trinta e seis anos e trabalha como atendente de curso de informática, resmungava ela enquanto caminhava de volta para casa.

Parou na porta de sua casa. Olhou para os lados, e ao ver que dona Rita, a costureira se aproximava, acenou com toda força fazendo a mulher desviar de seu caminho.

-Tudo bem, dona Suzana?

-Tudo ótimo, mas olha, cuidado com seu filho hein?

-Com o Léo? O que aquele demoniozinho fez agora?

-Calma, ele não fez nada.Mas eu vi esses dias essa moradora nova dando dinheiro pra ele. Sei não, ela tem um filho altista e recebe visitas de manhã. Pode ser perigosa. O mundo tá cheio de pessoas com más intenções com crianças.

-Filho atista é?- insistiu Rita.

-Isso, altista. Cuidado! - confirmou a fofoqueira com um ar de certeza de impressionar.

Feito isso, ambas foram para suas casas e a história se disseminou pelo bairro. Agora a nova moradora abusava e crianças e do filho doente. E tudo por uma confusão de palavras de uma velha fofoqueira. Pois o altista qual se referia era uma pessoa que trabalhava com alta de câmbios ou eleva o preço das mercadorias. E não autista, que é uma doença mental qual o paciente se desliga da realidade e passa a viver numa consciência e mundo isolados.

Ela nunca inventou histórias de mim. E nem é capaz disso. Não dou motivo. Esse é o mal de morar em vila, todo mundo sabe de todo mundo e não tem como passar despercebido.

Falando nisso, a moradora da casa B1 todo dia chega em um carro diferente.Sei não...

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 17/05/2009
Reeditado em 17/05/2009
Código do texto: T1599546
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