Cinema de bairro

Cinema de bairro

Quando eu tinha meus dez ou doze anos eu morava com minha avó que me criou desde os seis meses de idade.

Minha mãe se casou outra vez depois de abandonar meu pai e teve uma filha pouco mais nova que eu.

Nesse tempo vivíamos num bairro pobre de S Paulo com muita dificuldade minha avó ainda não muito velha lavava roupa para equilibrar nossos parcos recursos que vinham de uma tia.

Eu estudava no Grupo Escolar como era chamada a escola publica na época e nas folgas catava vidro e ferro velho para vender e assim pagar minha entrada no cinema do bairro.Inaugurado com festa há poucos meses ,era uma maravilha para o bairro.

E eu já fascinado pelo cinema trabalhava duro para não perder as matines de domingo.

Ainda mais que acompanhava perplexo o Tom Mix,o Zorro e as maravilhosas estrelas provocantes e sensuais.

Mas o que eu mais gostava era um seriado que toda semana deslumbrava com as aventuras de um herói do momento.Na escola segunda feira era assunto principal as aventuras de Dom Wilson na marinha.

Numa dessas semanas esperei ansioso o domingo, tinha dinheiro suficiente pois a semana tinha sido boa,tinha encontrado duas panelas de alumínio,metal raro,porque estávamos em época da segunda guerra.

Queria muito saber se meu herói tinha escapado da explosão de sua lancha,achava quase impossível,

Estava ansioso e contente,o dinheiro daria para comprar até a pipoca e a groselha,minha verba nunca alcançava tal façanha.

Pronto,com os sapatos brilhando,porque as noites era também um bom engraxate, pedi a minha avó o dinheiro que ela guardava pra mim,como eu recebia quase todos os dias um pouquinho,para eu não gastar com sorvete,que era minha primeira paixão.

Oi vó,passa meu dinheiro.

Ela com tristeza no olhar me disse,sabe filho,ela me chamava assim com ternura que jamais tinha recebido.

Eu usei seu dinheiro estava doente e precisei comprar um remédio e não recebi da freguesa para repor.

Sem querer acreditar fechei os olhos para não chorar perto dela.

Ela disse quase de imediato não se preocupe vá a porta do cinema e espere sua mãe,minha mãe verdadeira morava no mesmo bairro e levava sempre a filha ao cinema.espere sua mãe e ela te paga a entrada.

Claro!minha vida estava salva com essa brilhante idéia,mesmo porque nunca recebia nada da minha mãe.

Corri pela ruazinha de terra onde morávamos numa casa humilde mas sempre brilhando com o capricho da avó,

Corri sem parar para não chegar atrasado e perder a chegada de minha mãe.A pipoca e a groselha não importava muito,afinal já me acostumara a ver a criançada comer pipoca e eu so olhar.Mas o filme não,esse não podia perder.

E fiquei ali ofegante e olhanho com atenção a todos que chegavam.

Finalmente ela chegou trazendo a filha pela mão.

Eu corri pra ela e contei a minha situação,ela riu e disse, depois eu te conto o filme,caminhou para a bilheteria comprou as duas entradas e sumiu entre as cortinas azuis da porta de entrada.Ela sumiu também de minha vida por mais de vinte anos.

Fiquei ali parado a espera talvez de um milagre,quando o gongo que anunciava o inicio da função tocou trez vezes. O milagre aconteceu.o gerente que estava recebendo os bilhetes olhou para mim entre outros garotos que não conseguiram entrar também,ele olhou diretamente para mim e disse:você ai,moreninho entra.

Dom Wilson não morreu,nem eu.

Hoje, jamais deixo uma criança na porta de um cinema,teatro ou circo, ela poderia ser eu,

E eu,talvez esse gerente.