Trem da alegria em Mari
Não se trata de empreguismo nem conjunto musical infantil. O que quero falar é de trem mesmo, trem de ferro, porque nasci e cresci perto dos trilhos da estrada de ferro. Depois passei 25 anos de minha vida correndo atrás de trens, metido com locomotivas, trilhos e apitos. Na ferrovia fui auxiliar de chefe de estação, despachante, bilheteiro e rádio telegrafista, fazendo parte do elemento humano que punha em movimento este meio de transporte ferro-carril, de saudosa memória.
Essa conversa vem a propósito da passagem do dia do ferroviário, em 30 de abril. Como ferroviário aposentado, vai meu louvor ao trabalho e espírito de equipe desses profissionais.
Ao apagar das luzes dos trens de passageiros, um comboio saía de João Pessoa com destino a Guarabira em dias feriados, levando turistas nessa viagem extraordinária pelas planícies do brejo paraibano. Deu-se no recuado ano de 1995. Meu filho Arnaud Costa Neto, que hoje é músico profissional (não foi ferroviário porque o trem sumiu) escreveu uma crônica, publicada no Jornal Alvorada, que circulava em Mari:
“Era um trem diferente aquele. Diziam que era o trem do forró, outros que era o trem da praia. Na minha cabeça era mais que um trem, diferente daqueles que passavam todo dia na minha porta. Havia até passageiros esperando aquele trem de festa, trem de domingo, um trem meio doido e fora de hora. Diziam que no trem andavam músicos, pessoas alegres, bebendo. Esse trem deu até boato de quem o trem de passageiros iria voltar, para alegria minha e de todo mundo. Não ia não. Era um trem único, só naquele dia. Era um trem que, sem querer, trazia boas recordações para muita gente. Meu pai afirma que já foi bilheteiro de trem, na época em que a ferrovia transportava gente.
O trem-festa parte de Guarabira. Na estação de Mari, muita gente para viajar ou simplesmente para ver o bendito trem. Os passageiros vestiam bermudas, portavam sacolas com bebidas e outros apetrechos de piquenique. Menino a dar com o pau na estação. Lá vem o trem festivo. Como todo trem bandoleiro, esse trem atrasou. Disseram que foi uma parada no caminho, para os passageiros. Fazer pipi...
Finalmente o trem foi embora rumo a Cabedelo, às praias. Deixou uma pequena multidão na estaçãozinha, roendo-se de vontade de viajar no trem-bagunça. Um menininho muito sapeca, vizinho nosso, embarcou como clandestino. O trem em poucos minutos de parada, causou muita confusão. Um bêbado desceu do trem e ficou por aqui mesmo, perdido, procurando saber onde era a praia. Não tinha praia e ele se conformou com um boteco sujo aqui perto da estação.
O trem retornou à noite, já sem festa, mais atrasado, com as luzes apagadas, gente dormindo. Nos dias seguintes, haja gente procurando meu pai para comprar passagem para o trem-irresponsável. Fim de sonho: a ferrovia não iria mais alugar os vagões e locomotivas para esses trens fantasmas, carnavalescos. Atrasavam muito por causa do pipi dos passageiros e outros motivos próprios de uma festa. A ferrovia tinha mais o que fazer. Havia horário, prioridade para os cargueiros e tudo o mais. Alegria de pobre acaba cedo.
Mas aquele verão ficou marcado pelo trem-alegria. Aí eu pensei: se fosse rico, comprava um trem só para animar os verões do interior. Daí a gente podia esnobar: não temos praia, mas temos o trem. Eu pensei também que esse trem é muito maior do que parece. É um trem-carrocel que fez brilhar o coração de muita gente. Adultos, inclusive”.