A PRIMEIRA VEZ

Não é nada do que vocês estão pensando... Foi a minha primeira viagem de avião.

Morava em uma cidade do interior onde só víamos o avião passar na imensidão dos céus. No olhar infantil, entrar naquela coisa, soltando fumaça pela calda e voando tão alto era tão impossível como pescar peixe na areia escaldante daquela cidade encravada no baixo sertão baiano.

Deixemos de quiproquó e vamos aos fatos.

Cursava o ginasial e o meu professor de história era um padre culto e viajado. Ele sempre nos revelava as suas fábulas andarilhas pelos ares do Brasil e mundo. Dissertava minuciosamente o que via, comia e a historia que reaprendia. Eu ficava embevecido com tudo aquilo que ouvia pela voz daquele homem de saia que para mim era o sábio da vez tal o orgulho e paixão com que relatava os fatos que ele havia visto, admirado e experimentado.

De minha mesinha, sentia-me dentro das histórias, voando pelas asas da Panair (a empresa em que ele viajava). Fazia mil castelos no ar, pois tudo para mim era lindo demais! A minha cabecinha de começo de adolescência, levava-me à excitação de um prazer por vir.

Como conquistar o mundo como o danado daquele padre! Pensava eu, se moro num fim de mundo desses onde não temos a oportunidade de ver as comissárias lindas, belas, cultas, falando para os passageiros, usando suas vozes angelicais e sedutoras:

- Senhor, em que posso servi-lo!

- Deseja um lanche!

- O tempo está meio fechado, podemos ter turbulência, mas não se assuste, faz parte.

Ele descrevia as aeromoças com tanta sensibilidade que dava vontade de tomar emprestadas as asas da águia e voar até os céus para encontrar as fascinantes mulheres do ar.

Numa dessas histórias, ele nos contou a viagem que havia feito ao Rio de Janeiro. Meu Deus! Como gostaria de viajar até aquele lugar cinematográfico cuja oportunidade de conhecê-lo era apenas via cartões postais e ficava maravilhado com o Pão de Açúcar, o Corcovado, o Maracanã, a tropicalidade de Botafogo. E esse padre continua atiçando a minha imaginação e o meu desejo com as suas viagens aéreas.

Entre a aula e os costumeiros bate-papos, ele insistia: tomei um avião em Salvador com destino ao Rio de Janeiro. (A essa altura eu já voava nos sonhos!). Quando estávamos voando pelos céus do Rio, de repente uma voz suave ecoa pelos fones da aeronave. Era a comissária que dizia: Senhores passageiros, apertem os cintos, não fumem e dentro em instantes estaremos descendo no aeroporto Santos Dumont, disse ele. Ao fazer a inclinação para o destinado aeroporto, o avião passou ao lado do Cristo Redentor onde se descortinou uma paisagem tão linda que nunca vi em minha vida. O céu estava de um azul fantástico e a beleza que surgia à minha frente era para tirar o chapéu do mais experiente viajante. Além disso, estava sentado numa cadeira junto à janela longe das asas do avião o que me dava uma visão panorâmica e privilegiada, continuou ele. E eu baixinho, murmurei: “Eta” padre metido!

Bom, o tempo passou, mas as lembranças de suas histórias ficaram caladas no meu ser. Conclui o ginásio. Mudei-me para uma cidade maior onde continuaria os estudos. Passei a trabalhar numa empresa famosa como Office-boy e logo fui promovido a sub-contador face ao recente curso de contabilidade que havia concluído. Tempo depois fui agraciado com um curso em S. Paulo. Disseram-me que a viagem seria de avião. Não imaginem a felicidade e contentamento que senti. Parece que o mundo tinha fugido dos meus pés. Era o sonho que iria ser realizado. Era as palavras do padre sobre as comissárias que iriam comprovar. Tudo era muito estimulante, tudo era muito novo e real. Que maravilha! Vou escrever para os meus ex-colegas mais chegados. Vou contar as novidades da viagem quando de lá voltar. Tudo passava em minha cabeça como em uma cena de filme no cinema. Até que enfim vai acontecer! As histórias do padre não saiam das minhas lembranças.

Finalmente chega o dia da viagem. Na véspera o encarregado do setor pessoal havia me entregado as passagens de ida e volta e eu já me sentia voando não nas asas da Panair porque já não mais existia, mas nas asas da antiga e extinta Sadia. Durante a noite não dormi. Só pensava no voo. Como entrar na aeronave e receber os cumprimentos das aeromoças na porta do avião, como o padre dissera!

No dia seguinte, coloquei a melhor roupa, comprei uma sacola digna de uma viagem de avião, o status assim o exigia, passagem na mão e um orgulho no peito: vou viajar de avião pela primeira vez!

Tomei um táxi, segui para o aeroporto. Ao chegar fiz todos os procedimentos de embarque tal qual o padre nos falara tempos atrás. Lá me disseram que o voo seria o 365. Peguei minha bagagem de mão fui para a sala vip aguardar a chamada. De repente uma voz suave ouve-se no aeroporto: Senhores passageiros com destino a São Paulo com escala no Prado, Nanuque, Vitória e Rio de Janeiro, por favor dirijam-se à aeronave para embarque. Quando ouvi a palavra Rio de Janeiro não me contive de tanta satisfação. Perguntei-me será que vai passar ao lado do Cristo Redentor? Será que vou ter a mesma visão que o padre teve? Eram perguntas que não tinham respostas. Tinha mesmo que aguardar para ver. Enfim, aconteceu a última chamada e eu já na escada que nos leva ao interior do avião não via a hora de a aeromoça fazer a sua saudação: Senhor, bom dia! E isso mesmo aconteceu. Já devidamente instalado na minha cadeira que por coincidência junto da janela, longe das asas do avião com uma visão livre de quaisquer obstáculos. Momentos depois uma voz linda e suave cumprimenta os passageiros dá a destinação do percurso, pede para observar todas as instruções que as aeromoças faziam lá na frente em caso de pouso de emergência. Eu atento aos detalhes confirmava o que o padre havia dito. Para mim, aquilo tudo já era velho, novo só a realidade do gozo de voar.

O avião ganhou altura e eu emocionadíssimo com o que estava acontecendo, saquei um papel qualquer e comecei a relatar a fantástica viagem. Descemos no Prado, logo após, em Nanuque, em seguida Vitória e prosseguimos para o Rio.

Quando voávamos pelos céus do Rio eis que uma voz linda e límpida dizia: Senhores passageiros, apertem o cintos, não fumem e dentro em instantes estaremos descendo no aeroporto Santo Dumont. Eu não acreditava no que estava ouvindo. Era um sonho! Foi um momento de grande emoção. Voltei aos meus tempos ginasianos. Lembrei-me de meus colegas que já não os via há muito tempo, alguns, inclusive, já falecidos.

As histórias do Padre estavam ali silenciadas em mim. Eu iria ver o que ele viu. Quantos colegas meus não tiveram essa oportunidade! Queria que todos estivessem ali comigo para fazermos uma grande festa da alegria.

Quando o avião fez a inclinação para pousar no Santos Dumont, passou ao lado do Cristo Redentor, num final de manhã primaveril e linda de céu azul e sol brilhante. Pude admirar o que ele (o padre) admirou e pressentir a verdadeira história que ele me fez sonhar e se tornou realidade: A minha primeira viagem de avião.

Tunin
Enviado por Tunin em 16/05/2009
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