O homem que mijou na Paraíba
Acabo de ler o livro “Chatô, o rei do Brasil”, de Fernando Morais, um tijolo de mais de 700 páginas contando a vida de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, político e empresário paraibano de Umbuzeiro que se tornou dono de um império de comunicação. Entre os anos de 1910 a 1960, esse homem mandou e desmandou no Brasil, até que uma trombose o prostrasse numa cadeira de rodas. Mesmo paraplégico, ainda teve forças para participar como ativo conspirador da quartelada que derrubou o Presidente João Goulart.
Igual a Ney Suassuna, Chateaubriand cismou um dia de ser senador pela Paraíba, mesmo tendo saído daqui garoto. Não tinha bases eleitorais, mas “onde o dinheiro vai e não resolve é porque foi pouco”, segundo o adágio popular. A ficha do homem não era brincadeira. São dezenove crimes que teriam sido praticados pelo jornalista, desde tentativa de homicídio a chantagem e suborno. Ele gostava de explicitar suas idéias fascistas e racistas, além de ter sido, talvez, o maior entreguista da história do Brasil. Diziam seus inimigos, mas não provavam, que ele começou na vida do crime roubando merenda dos primos menores.
Usando a força de sua cadeia de rádio e televisão, Chatô conseguia o que queria. Até o ditador Getúlio Vargas foi forçado a assinar um decreto modificando o Código Civil, para que o jornalista paraibano pudesse ganhar a guarda de sua filha Tereza. “Se as leis são contra mim, que se mudem as leis”, dizia ele.
Em 1951, Chateaubriand decidiu que seria senador pela Paraíba. O problema é que as eleições só seriam realizadas em 1954, e ele queria ser senador já. A solução foi fazer com que o senador Vergniaud Wanderley e seu suplente Antônio Pereira Diniz renunciassem aos respectivos cargos em troca de favores governamentais do Presidente Getúlio Vargas, sendo convocadas eleições suplementares para o dia 9 de março de 1952. Essa vergonhosa barganha foi saudada nos jornais de Chateaubriand como “uma saudável evolução dos costumes políticos na Paraíba”.
Na campanha, Chatô veio três vezes à Paraíba. Nas raras visitas, descia do seu avião aclamado pelos chefes políticos locais, entre eles o governador José Américo de Almeida. Segundo Fernando Morais, “o avião pousava e então repetia-se um ritual grotesco: Chateaubriand descia e urinava ali mesmo, na frente de todos. Sem lavar as mãos, apertava a mão de um repugnado José Américo e continuava cumprimentado homens e mulheres com as mesmas mãos sujas”.
Depois, ele disputou a reeleição, mas foi derrotado por João Arruda. Justificando a derrota, afirmou: “eu não podia mesmo ser escolhido por uma gente cretina, ingrata e atrasada como esse povo da Paraíba”.
Para voltar ao senado, recorreu a Tancredo Neves, coordenador político da campanha de Juscelino Kubitschek à presidência da República, para que arrumassem um jeito dele ser senador “ou os Diários Associados iriam cravar o punhal nas costas do candidato”. Desta vez o Estado escolhido foi Maranhão, onde se repetiu a mesma operação feita na Paraíba. Houve reação dos políticos locais, entre eles o suplente de deputado federal José Sarney, futuro presidente da República e também senador paraquedista. No fim, Chatô ganhou do seu concorrente, o coronel Menezes, vencendo com mais de 70% dos votos, numa das eleições mais fraudulentas da história do Maranhão. Foram encontradas urnas com centenas e centenas de votos dados a Chateaubriand, todas preenchidas com a mesma letra.
O entreguista Assis Chateaubriand gostava de dizer que era paraibano para justificar seus arroubos de machão e violento, mas nunca teve nenhuma consideração com seu Estado natal. Ele chegou a propor a anexação da Paraíba a Pernambuco “como única saída para o desenvolvimento do Estado”.