EU NÃO TENHO PECADO

As grandes festas religiosas na região onde meus pais moravam, aconteciam uma vez por ano. Além da festa de São Benedito, havia a de Nossa Senhora da Piedade, padroeira da Vila de Irituia, onde eu nascera. A festa durava quinze dias. Como eu já fizera a primeira comunhão, era a oportunidade para confessar e comungar, depois de tanto tempo sem fazê-lo.As confissões eram sempre à noite, depois da novena. Quem ia confessar, ficava sentado em banco bem próximo ao confessionário. Quando terminava a confissão, o padre dava uma penitência, a pessoa rezava e voltava para o seu lugar. Eu não gostava nada da idéia de me confessar, mas minha mãe ficava de olho...Não dava para escapar, tinha que enfrentar o Padre Marinho, o pároco da vila. Ajoelhei-me no confessionário...Padre Marinho falou gravemente:

-Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! Filha pode contar os seus pecados. Eu respondi convicta:

-Padre, eu não tenho pecado! Padre Marinho falou surpreso:

-Como não tem pecado? Toda menina da sua idade tem pecado! Eu respondi:

-Mas eu não tenho pecado.Se o senhor me disser quais são os pecados, eu posso até lembrar se tenho. Padre Marinho perdeu a paciência, ficou bravo!

-Volte já para o seu lugar e só volte aqui quando lembrar dos seus pecados. Não lhe dou absolvição nem penitência. Voltei para o meu lugar completamente envergonhada.

Mais tarde, perguntei para minha mãe o que era pecado e pelo que ouvi, coitada de mim! Seria pecadora para o resto da vida, principalmente porque eu era e ainda sou muito gulosa. Ainda assim, continuei pecando e confessando uma vez por ano. Preferia ter de enfrentar Padre Marinho, do que deixar de fazer as coisas que me davam prazer, principalmente comer bem e muito...Mais tarde, descobri que era tão pecadora assim. A noção de pecado mudou muito e ser gulosa, só faz engordar, não levando ninguém para o inferno.Entretanto, sei também que o pecado da gula não se limita apenas à questão de comer muito, mas isso é outra história...

Conceição Gomes