O MAGO

O MAGO

Todos nós conhecemos mágicos. Nos tempos de outrora naqueles cirquinhos mambembes que visitavam vez ou outra cidades do "interland" ou, nos dias atuais, através das onipresentes TVs. Nas ruas das grandes capitais "tropeçamos" em raros eexemplares deles, tirando moedas das orelhas alheias ou sumindo (no bom sentido) com algum relógio "Vagabundex" de um transeunte desavisado.

Pintores ou desenhistas têm, a meu ver, algo de mágicos... transformam a tela ou o papel em branco em imagem deslumbrante, inimaginável até, que nos intriga pela forma como foi criada.

Eu era apenas um jovem contínuo, auxiliar de serviços gerais na boutique Lúcia Modas -- "pau para toda obra" como qualquer "office boy" da época -- quando conheci um mágico, o melhor de todos, um mago cujo toque transmutava pedra em ouro, verdadeiro ilusionista.

Tinha o aspecto de um extraterrestre, alto e cabeçudo, sotaque áspero de "galego' legítimo, o andar e o porte de um senador nos áureos tempos de Roma. Era quase um sósia do poeta Drummond e, se fossem ambos fãs de praia, ter-se-íam encontrado nas areias de Copacabana.

Em nossos tempos cruéis e desumanos o mago seria seria visto como um ser perigoso (?!) pois só andava com garotões rosados e bem nutridos, aos quais dava incumbências e orientava enquanto executava suas atuações geniais.

Ademais, vez ou outra tinha meneios de mão característicos mas em plena era do "flower & power" e de hippies às pencas -- década de sexo, drogas e rock'n roll -- ninguém dava atenção a tais detalhes.

Seu show não era para qualquer um: pelo contrário, foi o primeiro em sua atividade a usar cortinados que vedavam aos curiosos e desocupados a visão de seus truques de prestidigitador inigualável. E só trabalhava para lojas de luxo, magazines chiques e boutiques com nome em inglês e clientela com alguma fama.

Certa vez destacaram-me para acompanhá-lo, era preciso buscar seus apetrechos num depósito próximo. Lá, presenciei seus auxiliares demolindo bicicleta seminova a marteladas, os pneus transformados em "oito" à custa dos músculos dos rapagões criados à base de Toddy, Ovomaltine, Emulsão do Dr. Scott e sucrilhos Kellogs.

Quase chorei de raiva... mas, morando no Morro dos Cbritos -- havia cabras selvagens no alto dele, embora nós todos nos sentíssemos um tanto caprinos -- para que quereria eu um troço daqueles? Tempos depois tornaria a vê-la, descaracterizada mas feliz, completando divinamente um momento de arte e beleza, milagre de bom-gôsto e eficácia visual num show de técnica.

Nunca soube seu nome mas o perfil desengonçado está gravado em minha memória. Atualmente seria definido como vitrinista ou decorador de interiores, títulos mesquinhos para um artista daquele gabarito.

O mago não precisava de muito, aliás fazia surgir do nada um mundo de surpresas e magnífica criatividade. Cordas velhas, folhas secas, um pedaço de escada, arames, gaiolas quebradas, um lampião antigo...absolutamente tudo lhe servia e daquelas inutilidades todas nascia um universo que encantava (e espantava) qualquer espectador ocasional.

Valia seu peso em ouro e,trabalhando como autônomo, pôde atuar com liberdade nas melhores lojas da Zona Sul. Confesso que nunca mais vi uma vitrine com metade da perfeição estética e da apresentação plástica que o Mago conseguia imprimir às suas criações; contudo, seu trabalho competente e único induziu-me a ver tais profissionais com outros olhos, tornando-me adiante um fã de arquitetura e decoração.

"NATO" AZEVEDO