Felicidade

FELICIDADE

Uma vez um psicanalista me perguntou: “Se lhe oferecerem para escolher entre um prato de felicidade e um prato de rejeição, o que você pega para si?” Respondi: “Felicidade, é claro”. Ele retrucou: “Claro, não. Você jamais escolheria uma coisa que desconhece. Rejeição é ruim, mas você sabe do que se trata. Certamente a escolheria”.

Hoje acordei pensando nisso. A televisão vende a imagem de felicidade como sendo a Juliana Paes ou Vera Fisher, para as mulheres. O Ronaldo, o Fenômeno, ou talvez o Kaká, para os homens. Para o time feminino, a beleza é essencial. Para o masculino, a força, a capacidade de fazer dinheiro e de exercer a sua influência. Ser parâmetro de comparação. Lembram-se do anúncio, muito inteligente por sinal, da Brastemp? Mostravam uma geladeira ou um fogão qualquer, e a dona-de-casa dizia: “É bom, mas não é nenhuma Brastemp”.

Assim são as pessoas que a mídia tenta fazer com que as imitemos, porque dessa forma, seremos felizes. Será que é feliz quem está permanentemente exposto ao público, sendo julgado por todos os seus gestos? Ter sua privacidade invadida a cada instante, sem poder ir a um show, ou desfrutar de um simples banho de mar em Ipanema, faz parte do que eles rotularam de felicidade?

Não sei se as pessoas que eu mencionei acima são felizes. Sei que as mulheres são lindíssimas e os homens, ricos, talentosos e de fama internacional. Eu não gostaria de ir a um restaurante, cuja comida é especialíssima, para comemorar com amigos o meu aniversário, e ser abordado, o tempo todo, pelos tietes em busca de autógrafos. Como uma fera, o meu prazer também ficará enjaulado entre as quatro paredes da minha casa ou da casa de um amigo, cujo acesso é por helicóptero, para fugir dos olhos dos paparazzos.

Imagino também o preço do lugar que eles conquistaram. Os atletas tiveram que despender horas de exercícios e condicionamento. Passaram por dores musculares, lesões e, muitas vezes, cirurgias, com risco que não voltarem às suas atividades. Não há fim-de-semana para os jogadores profissionais pois é, justamente nesse período, que eles trabalham. Não há noitadas, nem badalações durante o tempo de concentração. Se for da seleção brasileira, ainda mais difícil se torna uma escapulida do hotel, pois os repórteres ficam de plantão a noite toda.

As duas atrizes que eu mencionei, além da beleza e do talento que certamente têm, há o trabalho insano de decorar longos textos, horas infindas de gravações e inúmeras repetições com as mesmas falas, mesmos gestos, olhares, expressões de espanto ou lágrimas copiosas. Haja cristal japonês para tanta “lágrima técnica”, como nos beijos. O que é bom na vida real, não pode ser em tais circunstâncias “técnicas ou não”.

Acho que a felicidade não é isso tudo que já escrevi. Felicidade é .... Felicidade é ser anônimo a dois.

Rio de Janeiro, 13 de maio de 2009

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 13/05/2009
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